O preço dos jornais

Dentro de certos limites, o preço de capa não tem qualquer impacto na venda de um jornal. O que conta é a qualidade do produto e o hábito de compra

Por que diabo vem este tipo, nesta altura, escrever sobre o preço dos jornais? – interrogar-se-á o leitor, com toda a razão. O problema é que eu tenho de encher este espaço todas as semanas, o que não é fácil. Arranjar de oito em oito dias um tema com interesse para os leitores, onde possa dizer alguma coisa de diferente, é por vezes muitíssimo difícil. 

Sucede que este assunto, não sendo de atualidade, nunca perde atualidade. E, como o leitor verá, diz bastante sobre a natureza humana. 

Mas vamos lá ao que interessa.

Em fins de 1983, o semanário Expresso mostrava-se pouco rentável. Fecharia esse ano até com um pequeno prejuízo de 8 mil contos. Eu tinha assumido a direção a meio do ano, e, em face dos resultados, propus ao Conselho de Administração, presidido por Francisco Pinto Balsemão, a subida do preço do jornal de 40 para 60 escudos. Era um aumento de 50%, contra todas as regras de gestão. 

Ainda por cima, estava para sair um concorrente que podia fazer-nos mossa. Chamava-se Semanário, e a ele estavam ligados nomes como Marcelo Rebelo de Sousa, Daniel Proença de Carvalho, José Miguel Júdice, Victor Cunha Rego, Carlos Barbosa, Paulo Portas, Pacheco Pereira, etc. Fazer um aumento de preço nesta altura dir-se-ia um disparate. Os livros de gestão diziam mesmo o contrário: deveríamos baixar um pouco o preço para sermos mais competitivos.

Nestes casos nunca me guiei pelos livros. Fazer o que os livros dizem está ao alcance de todos, pelo que não faz a diferença. Ora, em setores onde a concorrência é muito forte, só sobrevivem os que conseguem contrariar a lógica e fazer de maneira diferente.

A administração resistiu muito à minha proposta. Mas eu bati-me bem, com convicção. Nas conversas com Balsemão, usei o seguinte argumento: um preço mais alto sugere um produto de maior qualidade. O que temos de fazer é convencermos os leitores de que o Expresso é mais caro porque é melhor. O preço alto, em vez de ser uma menos-valia, pode ser uma mais-valia. E contei-lhe uma história passada comigo. 

Um dia decidi trocar de aspirador e escolhi a marca mais cara que existia no mercado: Nilfisk. Cheguei à loja pensando que, custando o dobro do preço dos outros, o modelo não seria muito procurado. Quando disse à vendedora o que queria, ela olhou-me com ar desprezível e disse-me como quem fala para alguém que fez um pedido disparatado: «Nilfisk? Não temos. Esses, quando chegam, vendem-se logo…». Aqui estava um caso em que o preço alto não era impeditivo de compra, pelo contrário, era um ‘selo de qualidade’.

Com muito esforço, lá convenci Balsemão a aumentar o preço de capa – não sem que me dissesse que podíamos estar a assinar a nossa sentença de morte. Mas, apesar de o Semanário ter sido bem recebido, o Expresso no ano seguinte não só não perdeu vendas como as subiu como nunca tinha acontecido. E os lucros, naturalmente, dispararam.

Mais tarde ocorreu outro episódio semelhante, mas com mais protagonistas. Eu tinha convidado para a direção Vicente Jorge Silva e Jorge Wemans, e todos apostávamos na subida do preço do jornal, até para termos um orçamento mais folgado. Do outro lado, Balsemão e Luiz Vasconcelos opunham-se. 

Combinámos uma reunião em casa de Balsemão, na Quinta da Marinha, para debater o assunto. Na altura, a proposta era subir de 60 para 75 escudos. 25%, portanto. Durante um dia inteiro esgrimiram-se argumentos. Luiz Vasconcelos chamava-nos «loucos» e dizia que era «um suicídio» aumentar tanto o preço. Ao fim do dia, esgotados, juntámo-nos à volta de uma pequena mesa-redonda e competia naturalmente a Balsemão decidir. Era ele o patrão. Pedindo desculpa a Luiz Vasconcelos, seu companheiro na administração e amigo, decidiu a nosso favor. E a decisão voltou a ser um êxito: as vendas do jornal continuaram a subir. Não perdemos nem um comprador.

O mesmo episódio, mas ao contrário, repetir-se-ia uns anos mais tarde aqui no SOL (então chamava-se assim). Depois da entrada dos investidores angolanos, sendo desejo deles aumentar as vendas, propuseram uma diminuição do preço de capa. 

A administração, do lado angolano, era então formada por Ana Bruno e (julgo) Filipe Coelho. Opus-me tenazmente à descida de preço. Expliquei as minhas batalhas sobre o assunto e a conclusão a que tinha chegado: se o aumento de preço não tivera implicações negativas, a descida não teria implicações positivas. 

Nos produtos de grande consumo, como os detergentes, o fator preço pode ser decisivo. Entre dois produtos que o cliente presume não serem muito diferentes, pode escolher o mais barato. Mas um jornal é outra coisa. Não há dois jornais iguais. Não é o mesmo comprar o Expresso ou o SOL. Além disso, quem compra jornais é uma classe média para quem um euro a mais ou a menos não faz grande diferença. O que pesa mesmo é a qualidade do produto – e também o hábito de compra. 

Mais uma vez acertei: descemos o preço e não vendemos nem mais um exemplar. Em contrapartida, perdemos muito dinheiro, mais de um milhão de euros só no ano seguinte. Com a agravante de ficarmos num patamar mais baixo para futuras subidas de preço. Em suma, um desastre!

Mais recentemente ocorreu outro episódio, mas de sinal oposto. Perante o agravamento dos custos de produção, tivemos de fazer um aumento extraordinário de 3 para 4 euros. Todos nos diziam ser arriscado: numa altura em que a imprensa escrita passava por muitas dificuldades, como nos atrevíamos a projetar uma subida de preço de 33%? Mas mais uma vez a realidade contrariou o que dizem os livros: não perdemos um único comprador e amenizámos os prejuízos.

Deixo aqui gratuitamente, aos gestores da imprensa, as conclusões da minha experiência. Experiência, note-se, que compreende jornais diferentes, tempos diferentes, conjunturas diferentes, decisões opostas.

Dentro de certos limites, evidentemente, o impacto do preço de capa na venda de um jornal é nulo.

Aposte-se na qualidade, nos bons conteúdos, na seriedade, na independência, na criatividade, na surpresa, nos bons colunistas, nas notícias fora da caixa, na emoção, no grafismo apelativo e sobretudo eficaz. Isto é que faz vender ou não vender um jornal.