San Lorenzo. Uma magia jamais vista

Antes do jogo do Jamor, os jogadores argentinos faziam o aquecimento fumando e bebendo golos de conhaque. Depois ganharam 10-4!

Para celebrar o seu título de campeão argentino, o San Lorenzo de Almagro resolveu fazer uma digressão natalícia no final do ano de 1946. Ninguém poderia imaginar a influência que a sua presença na Península Ibérica iria marcar o futebol em geral e o futebol português em particular. Ao fim de seis jogos, os ecos que percorriam o país anunciavam uma tempestade. Que majestosa equipa tinha sido capaz de bater o Atlético Aviación e o Real Madrid por 4-1 e destroçar a seleção espanhola por 7-5 e 6-1????

Os argentinos ainda não tinham desembarcado no Porto, local da sua primeira exibição entre nós, marcada para dia 31 de Janeiro, e já uma baba canina e pavloviana deixava os adeptos inquietos à espera de algo fantasmagórico. O que passou em frente dos seus olhos tornou-se num filme muitas vezes repetido. Ou talvez apenas uma lenda, alguns ainda alimentando a dúvida se o que tinham observado correspondia por inteiro à verdade. Era verdade, sim. E mágico!

A vitória sobre o FC Porto foi fulminante: 9-4! Nunca nada como aquilo se tinha visto nos campos portugueses. Ribeiro dos Reis, que assistiu ao encontro do Estádio do Lima, escreveu: «Ufa! Chega a cansar, o ver jogar tão bem!» E continuava. «Simplesmente maravilhoso o seu domínio de bola. Um portento de execução em passe raso, caminhando para a baliza em triangulações sucessivas que desnorteiam o adversário, entontecendo-o positivamente. Pequenos toques, certos, precisos. E como o sistema de desmarcação é perfeitíssimo, a bola chega quase sempre ao destinatário com uma regularidade assombrosa. Tudo aquilo parece fácil, natural, simples, tal a perícia de execução dos jogadores argentinos, verdadeiros malabaristas de circo, a quem dá vontade de gritar como no Coliseu: Basta! Basta! Basta!». 

Em seguida, Lisboa
O rol dos adjetivos são sintoma de uma admiração sem limites. Três dias depois de haverem deslumbrado o público portista, o San Lorenzo viajou até Lisboa para defrontar um dos já célebres mistos B-S-B, formado por jogadores do Benfica, Sporting e Belenenses. A equipa escolhida pelos técnicos dos três clubes é decalcada da última seleção portuguesa que vencera a Espanha num ambiente de euforia. Para os argentinos se dava igual.

Os ecos do malabarismo argentino correra com a velocidade do fogo em campo de milho seco. O Estádio Nacional regista uma das suas maiores afluências de sempre: cerca de 70.000 espetadores espremem-se em redor do relvado para assistir à magia dos homens das Pampas. Não sairão desiludidos. 

Antes mesmo de o encontro ter início, já os jogadores do San Lorenzo se divertem exibindo a sua arte na troca de bola de uns para os outros como forma de aquecimento, utilizando a cabeça, os joelhos, os ombros e os calcanhares. A descontração é de tal ordem que, na cabina, se fuma, se bebe café e se saboreia cognac. D. Pedro Omar, o treinador, passeia-se sobre a relva e sentencia: «Está boa. Está para perder, ganhar ou empatar». 

Vestidos com o seu habitual equipamento de listas horizontais azuis e grenás, os argentinos entram em campo sob o entusiasmo inquieto da multidão. Há quem procure memorizar os seus nomes: Blanzina, Vanzini, Basso, Zubieta, Greco, Colombo, Imbelloni (acabaria, mais tarde, por se instalar em Portugal), Farro, Pontoni, Martino, Silva… Vestidos de branco, os portugueses parecem cordeiros entregues ao sacrifício da imolação. Ao intervalo o resultado era já de 5-1 a favor do San Lorenzo de Almagro. 

No segundo tempo, aos golos de Jesus Correia, Arsénio e Rogério, que se somaram ao de Peyroteo, os sul-americanos respondem com outros cinco: 10-4! Os espetadores regressavam a casa como garotos comentando prodígios. Tinham assistido a mais o que um desafio de futebol: o San Lorenzo oferecera-lhes arte pura, entretecida com momentos de verdadeiro circo. Só havia uma palavra a dizer-lhes: obrigado.