Ex-ministro da Saúde brasileiro revela que Bolsonaro queria que regulador alterasse bula da cloroquina

Medicamento para a malária é ineficaz contra a covid-19. 

O antigo ministro da Saúde do Brasil Luiz Henrique Mandetta afirmou, esta terça-feira, que Jair Bolsonaro queria que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária brasileira (Anvisa) alterasse a bula da cloroquina para que o medicamento fosse indicado no tratamento da covid-19.

Mandetta foi ouvido no âmbito de uma comissão parlamentar de inquérito sobre a covid-19 e revelou que o Presidente brasileiro queria que o medicamento, cujos estudos científicos dizem ser ineficaz contra a doença, contivesse na bula referências ao tratamento do vírus. Foi o próprio presidente da Anvisa que recusou a sugestão de Bolsonaro.

“Eu estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que eu nunca tinha conhecido”, começou por dizer.

“Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus. E foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, [Antonio] Barra Torres, que disse não", acrescentou.

O ex-governante lembrou depois que Bolsonaro defendia o uso da cloroquina para o tratamento precoce da covid-19, mesmo quando este não era recomendado pelo Ministério da Saúde.

“Me lembro de o presidente sempre questionar a questão ligada à cloroquina como a válvula de tratamento precoce, embora sem evidência científica”, disse.

Mandetta destacou que, na altura, o Ministério da Saúde seguia a "cartilha da Organização Mundial de Saúde" e que se ele tivesse adotado a teoria de que o vírus não chegaria ao Brasil teria sido uma "carnificina".

No mesmo depoimento, o ex-ministro fez várias revelações, nomeadamente que era "constrangedor" explicar as divergências com o Presidente sobre medidas de isolamento social e que, "provavelmente", Bolsonaro aconselhava-se sobre a pandemia com fontes fora do Ministério da Saúde. Mandetta disse ainda que o governo não quis fazer uma campanha oficial contra a covid-19 e que Bolsonaro chegou a duvidar da estimativa de mortes. De realçar que o Brasil já tem mais de 408 mil vítimas mortais devido ao novo coronavírus.

“Eu levei, expliquei. 180 mil óbitos para quem tinha na época menos de mil era um número muito difícil de você fazer uma assertiva dessa. Eu acho que ali ficou dúvida, porque tinham ex-secretários de saúde, parlamentares, que falavam publicamente: 'Olha, essa doença não vai ter 2 mil mortos, essa doença vai durar de 4 a 6 semanas’. Havia uma construção também de pessoas que falavam absolutamente o contrário. Eu acho que, naquele momento, o Presidente entendeu que aquelas outras previsões poderiam ser mais apropriadas para aquele momento” , afirmou.

Recorde-se que Bolsonaro exonorou Mandetta em abril do ano passado, depois de semanas de tensão entre ambos, nomeadamente por Mandetta defender o isolamento social.

Note-se que mais de um ano desde o início da pandemia, Bolsonaro continua a fazer declarações polémica sobre a covid-19 e já defendeu, por várias vezes, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença.