12 ideias para a reforma da Justiça em Portugal

A Justiça é lenta! A Justiça protege os poderosos! A Justiça deixa muito malandro a solta! São expressões, por vezes gritos de raiva ou espanto, que todos os dias ouvimos. É preciso reformar a Justiça! Mas como? – não a quente, disse Rui Rio.

por António Manuel de Paula Saraiva
Arquiteto paisagista

 

Alexandre e o nó górdio

Há uma história de um rei da Ásia menor que amarrou a sua carroça a uma coluna do templo de Zeus, e vaticinou que quem conseguisse desatar o nó dominaria o mundo. Muitos tentaram – sem conseguir. Até que chegou à cidade Alexandre, o Grande (século IV a.C.) rei dos Gregos. Alexandre olhou para o nó, mas, em vez de o tentar desatar, levantou a espada e cortou-o. E embora Alexandre não conseguisse conquistar o Mundo, conquistou quase toda a Ásia Menor.

Ora a Justiça precisa de quem ‘corte o nó’, de quem olhe para o problema com um olhar novo. E já se viu que os juristas não vão reformar o sistema judicial…tiveram mais de cem anos para isso – e com os políticos também pouco poderemos contar, pois eles são, na sua maioria, juristas. Todas as profissões se veem a si próprias como ‘a mais importante’ – os militares porque defendem o país, os médicos porque nos curam, os agricultores porque nos alimentam, os professores porque nos educam… e a lista poderia continuar. Sim, todos somos importantes, todos somos necessários, mas essa importância tem de ser relativizada – incluindo a dos juristas.

 Assim, não sendo advogado… mas como a Justiça diz respeito a todos… ouso avançar com algumas propostas para desfazer alguns dos seus mais evidentes ‘nós górdios:

a. Compatibilizar as garantias dadas ao Arguido com a defesa da Sociedade;

b. Diminuir os “tempos” da Justiça;

c. Tornar a Justiça mais substantiva, e menos formal;

d. Responsabilizar os agentes da Justiça pelas decisões mal, ou insuficientemente fundamentadas; desincentivar os recursos;

e. Diminuir a variabilidade da Legislação.

 

Defesa da sociedade versus defesa do arguido

A defesa da sociedade é ignorada se quem tiver propensão para prevaricar se aperceber que a taxa de condenações é tão baixa que” vale a pena arriscar”; ou se os culpados, absolvidos em tribunal, ‘se ficarem a rir’. Assim não será necessário aumentar penas (será mesmo inconveniente), mas sim transmitir a ideia que os comportamentos antissociais serão, quase com toda a certeza, penalizados.

1. Os interrogatórios aos arguidos continuariam (e teriam de) a ser feitos (tal como atualmente) na presença de um (ou mais) advogados indicados pelo arguido – para evitar que este fosse sujeito a torturas, tratamentos degradantes ou ameaças – mas esses advogados não poderiam intervir. Em caso de incumprimento por parte dos agentes do Ministério Público o, ou os, advogados deveriam elaborar correspondente queixa.

2. A não resposta às perguntas por parte do arguido seria tida como um sinal de culpabilidade, ao menos parcial.

 

Diminuir os tempos da Justiça

3. As testemunhas, os advogados de defesa ou de acusação e os arguidos teriam de indicar um telefone/mail de contacto, telefone ou mail esse que teriam de consultar diariamente. As testemunhas poderiam ser convocadas com um prazo de 3 dias, e o arguido bem como os advogados, de 5 dias. As justificações médicas teriam de ser passadas pelo Centro de Saúde na qual o interessado está inscrito (evitando atestados médicos passados por amigos, ou médicos mais condescendentes). A não comparência levaria automaticamente a multa.

4. O número de testemunhas abonatórias seria reduzido. Cada testemunha deveria servir para corroborar uma afirmação concreta da defesa.

5. Os prazos atualmente existentes para a apreciação dos processos por parte dos tribunais seriam reduzidos; e os prazos atualmente inexistentes seriam fixados (tendo evidentemente em atenção a complexidade do Processo).

6. O juiz não teria de justificar todas as suas decisões (ver ponto 9) (talvez até fosse de limitar o número de páginas dos acórdãos).

7. Os recursos seriam desincentivados (ver pontos 10 e 11).

 

Uma Justiça menos formal

8. Em vez de simplesmente julgar com base nas acusações do Ministério Público, o juiz, caso considerasse o caso pouco claro, poderia solicitar investigações/esclarecimentos adicionais.

Responsabilizar os agentes da Justiça, desincentivar os recursos

(Sistema de Pontuação inspirado no atual Código da Estrada – com um certo número de pontos negativos o advogado/delegado do Ministério Público/Juiz, seria suspenso por determinado período.)

Os recursos são, muitas vezes um luxo, de quem por eles pode pagar. E as mais das vezes não pretendem reparar um erro factual da primeira instância – não raro limitam-se a explorar pequenos erros formais com a finalidade de atrasar a aplicação da justiça, ou na esperança de encontrar, nos tribunais superiores, algum juiz com a mão mais leve.

9. As acusações do Ministério Público que não ficassem provadas em Tribunal dariam origem a um ponto negativo para os agentes desse Ministério que as tivessem apresentado. Idênticas implicações teriam os recursos apresentados contra as decisões dos tribunais.

10. Embora o juiz deixasse de ter a obrigação de justificar, ponto por ponto, as suas decisões, o advogado de defesa poderia pedi-las; e se, em resultado disso elaborasse uma contestação – a um tribunal de ordem superior, evidentemente e se a essa contestação/recurso fosse dado provimento, o juiz seria penalizado com um ponto negativo. Inversamente, se a contestação não fosse aceite, seria o advogado penalizado com um ponto.

11. Os recursos apresentados pelos advogados (quer de acusação, quer de defesa) contra as sentenças e demais decisões dos tribunais, e que fossem julgados improcedentes, dariam origem a um ponto negativo para o, ou os, advogados que os tivessem apresentado. Inversamente, se a contestação fosse aceite, teria o advogado um ponto positivo, ou ser-lhe-ia anulado o, ou os pontos negativos que eventualmente tivesse; e o juiz um ponto negativo.

 

Diminuir o volume da Legislação

12. Seria reduzido o volume de alterações à Legislação existente (Leis, Decretos-leis, e Decretos Regulamentares). Tomando como base uma média de anos anteriores este volume poderia ser reduzido de, p. ex. 1/3.