Nem oitenta nem oito

O perfil de Moedas (sem carisma) é demasiado parecido com o de Fernando Medina, o que seria sempre um handicap para o social-democrata, uma vez que o socialista tem a enorme vantagem de estar no poder e de ter palco permanente tanto no município como mediático.

É surpreendente como aqueles (muitos) que tanto se entusiasmaram com a candidatura de Carlos Moedas a Lisboa quando ela foi anunciada, não poupando nos elogios e na euforia, parecem agora tão desolados com a mesma, sobretudo ao olharem para a vitória estrondosa de Isabel Díaz Ayuso em Madrid e lamentarem que seja por cá irrepetível.

Convenhamos, se não havia razões para um manifestamente excessivo entusiasmo quando a candidatura de Carlos Moedas foi confirmada, menos há agora para um derrotismo injustificado.

Antes de mais, o facto de Moedas dar com toda a certeza um excelente presidente da Câmara de Lisboa – ou de outra qualquer –, pelas suas comprovadas qualidades e competência, não fazia dele um tão bom candidato como a generalidade da opinião publicada (da direita à esquerda) se apressou a qualificar.

Ter sido comissário europeu dá currículo e prestígio mas não garante necessariamente votos – basta lembrar que nenhum dos comissários europeus portugueses teve carreira política significativa após regressar de Bruxelas.

Além disso, o perfil de Moedas (sem carisma) é demasiado parecido com o de Fernando Medina, o que seria sempre um handicap para o social-democrata, uma vez que o socialista tem a enorme vantagem de estar no poder e de ter palco permanente tanto no município como mediático.

Por outro lado, a falta de notoriedade de Carlos Moedas nos bairros do concelho, onde residem os eleitores que vão às urnas, é um fator que pode ser mais facilmente invertido do que a taxa de rejeição do presidente em exercício.

Mas, para essa inversão, Moedas tem de arrepiar caminho e conseguir afirmar-se e mostrar ao eleitorado a diferença entre votar em si e na mudança e votar em Medina e na continuidade.

Começou, de facto, mal no seu discurso, voltado para as smart cities, para o turismo de pé descalço, para a multiplicação dos quilómetros de ciclovias e um conjunto de bandeiras que fizeram e ainda fazem moda, mas que, no fundo, são as mesmas de Medina ou de qualquer outro candidato alinhado com os conceitos ditos ambientalistas, de inclusão e da modernidade que alimentam as redes sociais e os programas televisivos de políticos feitos comentadores e de comentadores que não se diferenciam desses políticos.

Daí ter marcado pontos ao assumir que a ciclovia central que entope a Av. Almirante Reis, consigo, tem os dias contados. Porque aquela ciclovia – e, aliás, tantas outras – é um monumental disparate, que engarrafa a avenida a qualquer hora do dia, prejudicando os residentes e condenando o comércio local (só o vereador da mobilidade acha que as pessoas podem ir às compras de bicicleta, sobretudo de eletrodomésticos, móveis, roupa e por aí fora e que a redução do estacionamento pode promover a restauração e os bares da zona).

Se Medina defende as ciclovias pela cidade inteira, incluindo abate de árvores e redução das condições de circulação e até de evacuação em caso de catástrofe, contra a vontade da esmagadora maioria dos moradores e utilizadores, Moedas devia defender exatamente o contrário, numa cidade com sete colinas em que não faz sentido andar de bicicleta ou a correr de pulmões abertos ao monóxido dos carros e autocarros e em que as ciclovias deviam ser incentivadas, sim, na zona plana ribeirinha, nas grandes manchas verdes, como Monsanto,  Estádio Universitário e outros quantos jardins, e em algumas áreas residenciais com espaços livres e baixa circulação automóvel.

Claro que seria preciso mais, muito mais, e ideias concretas para a cidade, para a melhoria das condições de vida dos seus munícipes, para a dinamização da economia da capital – da sua área metropolitana e da Grande Lisboa –, que contrariem a obra feita por Medina, que a tem.

Da contenção do entusiasmo inicial à desmotivação e entrega dos pontos vai uma enorme distância.

Que uns bons meses de campanha (até às eleições de outubro) tanto podem anular como ainda mais aumentar.

Aliás, se o célebre telefonema de Ricardo Salgado era uma pedra no sapato de Carlos Moedas, a acusação de Manuel Salgado pelo Ministério Público a meses da ida às urnas teria de ter-se como um enorme paralelepípedo fatal para Fernando Medina se não fossem os renegados de 1640 e a Lisboa de hoje apenas se tratasse da capital de mais uma província espanhola.

Pode lá ter-se como indiferente para a recandidatura de Medina o seu histórico número dois e mesmo agora (já depois de constituído arguido num outro processo) seu principal conselheiro estar a ser investigado pela PJ em 12-casos-12 por suspeitas de «abuso de poder, participação económica em negócio, corrupção, prevaricação, violação de regras urbanísticas e tráfico de influências»?

Fora em Espanha e o resultado seria o que está à vista em Madrid: o PSOE ficou até atrás do movimento Más Madrid e o Podemos saiu esmagado ao ponto de Pablo Iglesias fazer as malas e recolher-se à sua luxuosa e burguesa mansão.

Pois é, mas Portugal prima mesmo pela impunidade.

Também por isso a política atrai cada vez menos quem com mais qualificação, até porque a mediocridade dos aparelhos partidários e suas clientelas tratam de afastar os que desalinham da lógica desse sistema degradado e degradante.

Daí que Carlos Moedas não mereça tamanha desconsideração daqueles que até começaram por afervorar com a sua candidatura. Porque são cada vez menos os que, com qualificação e mérito, aceitam o desafio de uma ida às urnas com enorme risco, maior desgaste e demasiado mal remunerada.

Basta olhar para as outras árvores desta paupérrima floresta.