Como derretemos milhões

Quando o BES rebentou, criou-se um ‘banco bom’ e um ‘banco mau’; o ‘banco mau’ foi liquidado e o ‘banco bom’ continuou a funcionar. Ora, não era preciso perceber muito de bancos para ver que as coisas não iriam correr bem. O que suporta um banco?

Fala-se muito da ‘bazuca’ europeia e de como iremos, com ela, reerguer o país.

A esperança é enorme.

Mas alguém já fez as contas aos milhares de milhões de euros que Portugal deitou borda fora na última década?

Pense-se no BPN, pense-se na PT, pense-se no Novo Banco, pense-se na TAP.

Não é preciso mais.

Aquando da nacionalização do BPN,  disse-se que o Estado iria despender umas centenas de milhões – que provavelmente recuperaria quando o banco fosse vendido.

Ora, gastaram-se milhares de milhões e o banco foi vendido não a custo zero mas com encargos para o Estado português.

Ainda tivemos de pagar para vender.

A esquerda protestou – mas a verdade é que não apareceu ninguém que desse mais.

Mas se no BPN o Estado pecou por ingenuidade, no caso da PT houve má-fé.

Ninguém percebeu por que razão a PT decidiu vender a Vivo; se a empresa não tinha dificuldades financeiras, pelo contrário, o que a levava a vender uma rede bem-sucedida e lucrativa?

Para que quereria o dinheiro? Para investir noutra empresa?

Mas se aquela funcionava bem, por que não ficava com ela em vez de ir comprar outra, mais incerta?

Não era isto evidente?

Claro que era.

Só que havia uma razão menos evidente: um dos principais acionistas da PT, o BES, precisava desesperadamente de dinheiro e a venda da Vivo era uma maneira de o conseguir.

Assim, a PT vendeu mesmo a Vivo, o BES recebeu a sua parte, outra fatia foi usada para comprar a Oi – uma empresa que não valia nada –, a PT entrou em plano inclinado e dentro em pouco era vendida ao preço da sucata.

Uma empresa que era a joia da coroa do país foi vendida como lixo.

Um dó de alma!

Veio depois o Novo Banco. Quando o BES rebentou, criou-se um ‘banco bom’ e um ‘banco mau’; o ‘banco mau’ foi liquidado e o ‘banco bom’ continuou a funcionar.

Ora, não era preciso perceber muito de bancos para ver que as coisas não iriam correr bem.

O que suporta um banco?

A confiança.

A confiança que as pessoas têm na sua seriedade e na sua solidez.

Ninguém põe o seu dinheiro nas mãos de alguém em quem não confie.

Mas como ter confiança numa instituição que resultava de uma fraude e cuja solidez se desconhecia?

Quem iria depositar dinheiro ou fazer negócios com um banco criado às três pancadas, sem se conhecer bem o que lá estava dentro?

O Novo Banco era um caso perdido à partida.

O que restava do BES, tal como o que restava do BPN, só podia ter um de dois caminhos: ou a falência ou a integração noutro banco.

Eram as únicas hipóteses.

O ‘BES bom’ e o BPN, ou eram engolidos por bancos sólidos – como num vulgar processo de venda – ou fechavam as portas.

A tentativa de sobreviverem por si, mudando o nome à pressa – como aconteceu no Novo Banco, numa tentativa manhosa de disfarçar o indisfarçável –, não podia resultar.

Não estava em causa a seriedade ou a competência dos gestores.

Até tenho em muito boa conta o presidente executivo do Novo Banco, António Ramalho.

O problema estava a montante: a confiança no banco perdera-se, e isso é irrecuperável.

Entretanto, quantos milhares de milhões já lá meteu o Fundo de Resolução, com a garantia do Estado, mas sem garantia nenhuma de recuperação do dinheiro?

Finalmente a TAP. A TAP estava vendida.

Conheço os esforços feitos pelo Governo de Passos Coelho para se livrar da empresa; foi dificílimo.

Pois bem: veio este Governo e decidiu, leviana e inconscientemente, reverter o negócio.

E o que temos hoje?

Uma empresa falida, sem perspetivas, que vai ser mais um sorvedouro para a nação.

Com a agravante de trazer a reboque a Groundforce, que vai ser outro enorme berbicacho.

As justificações são sempre as mesmas: a liquidação da TAP teria mais custos do que a sua recuperação.

Já foi esta a justificação nos casos do BPN e do Novo Banco: manter era mais barato do que liquidar.

Ainda agora lá veio Mário Centeno defender mais uma transferência para o Novo Banco, com o mesmo argumento.

Ora, os responsáveis não podem continuar eternamente a dizer: a recuperação do banco (ou da empresa) custa muito, mas fechá-la custaria muito mais.

Isso não é argumento, até por uma razão: todos os cálculos feitos à partida sobre o que iríamos gastar com o BPN, com o Novo Banco, com a TAP, saíram completamente furados.

Assim, o que nos estão a dizer hoje sobre o que vamos gastar amanhã também estará com toda a certeza errado. Se queres adivinhar o futuro, olha para o passado…

As contas que estão a fazer são meras ficções – pelo que os raciocínios feitos a partir deles não são de todo confiáveis.

Quanto é que Portugal já perdeu com o BPN, com a PT, com o Novo Banco, com a TAP?

Até tenho medo de fazer as contas.

Agora a esperança é a ‘bazuca’.

As pessoas continuam a não perceber que o nosso problema não é de dinheiro – é de boa administração.

Os políticos que no Estado têm tomado as grandes decisões, envolvendo enormes volumes de capital, não tinham preparação para o fazer – como a realidade mostrou.

Se estivessem a gerir um negócio de família, tinham perdido uns milhares; como estavam a gerir um país, as perdas foram de milhares de milhões.

Repito: o problema português não é de dinheiro: é de boa aplicação do dinheiro que temos.

Podem vir as ‘bazucas’ que vierem; se continuarmos a derreter dinheiro como fizemos na última década, vamos enterrar-nos cada vez mais.