Os terroristas insurgentes

Estou mesmo em crer que, para alguns dos novos cruzados, os simpatizantes de André Ventura ou alguns dos participantes do Movimento Europa e Liberdade (MEL) são fascistas/terroristas, mas os ‘pobres’ assassinos ligados ao jiadismo em Moçambique são apenas ‘insurgentes’. Fantástico, o mundo está mesmo de pernas para o ar

Vivemos tempos em que, muitas vezes, a realidade é vista de pernas para o ar, mas os defensores dessa nova narrativa dizem-no com uma candura que impressiona e leva a que muitos acreditem que o mundo normal é mesmo esse. Vejamos um caso que acho bastante emblemático: a utilização da palavra insurgente. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, significa «uma pessoa que se rebelou ou sublevou». O dicionário dá até um exemplo histórico: «Anglo-americanos que no século XVIII se sublevaram para tornar o seu país independente de Inglaterra».

Atentemos agora no que diz o mesmo dicionário sobre as palavras terrorismo e terrorista. «Prática de actos de violência, de atentados contra pessoas e bens executados por um movimento clandestino em luta contra o poder estabelecido; Que causa um medo excessivo; que provoca pavor, terror». Fico por aqui, pois os exemplos são em muito maior número. E qual a razão desta conversa de dicionário? É muito simples: nos tempos dos novos cruzados, os terroristas jiadistas que decapitam pobres moçambicanos e quem encontram pela frente em Cabo Delgado são tratados na generalidade da comunicação social por insurgentes!!!

Estou mesmo em crer que, para alguns dos novos cruzados, os simpatizantes de André Ventura ou alguns dos participantes do Movimento Europa e Liberdade (MEL) são fascistas/terroristas, mas os ‘pobres’ assassinos ligados ao jiadismo em Moçambique são apenas ‘insurgentes’. Fantástico, o mundo está mesmo de pernas para o ar.

Tenho estado a ler/reler o livro o Fim do Homem Soviético, de Svetlana Alexijevich, e vejo, com as devidas distâncias, como é óbvio, muitas semelhanças com o que estamos a viver. A autora recolheu testemunhos de pessoas que passaram pelos vários períodos da União Soviética, onde o medo e a verdade oficial se instalaram em todo o lado. Agora, em Portugal, temos os terroristas do Estado Islâmico que, segundo a nova bíblia da esquerda, são insurgentes; um dos maiores racistas que se conhece em Portugal passa por ser antirracista; os monumentos que simbolizam parte da História do país devem ser derrubados; há palavras que não se podem dizer como mãe ou pai, entre centenas de disparates; e para a EMEL não somos homens ou mulheres, mas sim Homem Cisgénero, Mulher Cisgénero, Homem Transgénero, Mulher Transgénero e Outros.

Os mais condescendentes acreditam que toda esta ‘moda’ é passageira e que não trará mal algum ao mundo. Não acredito nada nessa teoria por uma razão muito simples: os líderes espirituais desta nova ordem verbal/comportamental, onde está o inevitável Francisco Louçã, nunca foram adeptos da democracia, pois sempre acreditaram que a sua verdade é absoluta. Defensores do pensamento único, os novos cruzados ainda vão conseguir mudar os manuais escolares e, por este andar, se puderem, ainda hão de fechar igrejas católicas, pois as outras não devem ter problemas. Enquanto os democratas acreditam na diversidade de opinião, os novos cruzados querem a verdade a que o povo tem direito: a sua.

P. S. Atendendo a que me alonguei um pouco com as novas cruzadas deixo para a semana ou para o jornal i a polémica do assédio sexual. Mas diga-se que me tenho lembrado muito de uma entrevista que fiz há mais de 15 anos a um conhecido ator que se queixava de não ter muitos papéis no teatro porque se recusava a ir para a cama com outros homens. Quem conhece o meio do espetáculo sabe muito bem que tanto há assédio de homens como de mulheres…

vitor.rainho@sol.pt