Chora, Homem!

Chorar não faz de ti menos homem, faz de ti mais Homem. Chora, Homem! És homem por chorares, és homem por sentires, és homem por seres sensível – quanto mais sensível, mais Homem. Queres lá saber que te chamem «maricas» ou «chorão». Chora muito homem – e não te mates.

por Henrique Pinto de Mesquita

«Não chores. Sê homem. Quem chora são as meninas. Maricas, pá! Tens de ser forte. Um verdadeiro homem aguenta, não chora!». – disseram-lhe os amigos.

«Aquele gajo não quis estar comigo, só pode ser gay.» «O tipo enviou-me um poema: é maricas de certezinha». «Ele veio cá a casa e ficou encantando com as flores: quanto tempo até sair do armário?» – comentaram as amigas.

Porque me obrigam vós

A ser aquilo que não sou

Forçando-me a ter vergonha

De ser ‘O homem que chorou’

Uma vez, na primária, o Professor decidiu entregar-nos uma ficha de avaliação armadilhada. Entre várias perguntas com ratoeira, constava uma que até hoje não me esqueci: «O que pesa mais: 100 gramas de algodão ou 100 gramas de chumbo?^». Aos 8 anos a resposta não era tão óbvia assim. Hoje, crescido, pergunto-me: «O que pesa mais: 100 gramas de caldo lacrimal de homem ou de mulher?». Aos 23 anos a resposta parece-me óbvia: de homem.

Os homens são ensinados desde criança a «serem homens»: a não chorar, a serem fortes, a rejeitarem a sua fragilidade. Desde novos vivem em habitats – seja em casa ou nos grupos da escola – no quais «os sentimentos são coisas de maricas”. Rejeitam desde novos, por isso, a exploração de sensibilidade que é inerente à condição humana. A sociedade não lhes permite chorar, sentir ou demonstrar fraqueza: têm de ser homens – independentemente do que isso signifique. Guardam, guardam e guardam tudo muito bem guardadinho e selado pela Santíssima Entidade da Masculinidade. E o que resulta de guardarem tudo tão bem tão bem durante tanto tanto tempo? É conforme: ora atiram-se de pontes, ora dão tiros na cabeça, ora dão nós infinitos em cordas.

CHORA, HOMEM!

PODES CHORAR, HOMEM!

QUEREMOS QUE CHORES, HOMEM!

CHAMA PELA MÃE! PODES CHAMAR PELA MÃE!

«Mamã, mamã

Onde estás tu, mamã?

Nós sem ti não sabemos, mamã

Libertar-nos do mal»

Sê Homem, homem: CHORA!     Chora porque a galinha atravessou a estrada. Chora porque o miúdo do The Voice Kids tem uma voz linda. Chora se o filme te bateu. Chora se a música te transcendeu. Chora se a paisagem é doutra galáxia. Chora porque ela te deixou. Chora porque ele te deixou. Chora porque ela não quer estar contigo. Chora porque não tens cigarros. Chora por estares ansioso. Chora se ainda tiveres saudades. Chora porque o trabalho está impossível. Chora se as contas tão para lá de Bagdad. Chora por Bagdad. Chora porque te apaixonaste outra vez. Chora porque estás triste. Chora porque estás feliz. Chora porque estás. Chora porque te apetece. Chora porque porque. Mas chora. Chorar não faz de ti menos homem, faz de ti mais Homem. Chora, Homem! És homem por chorares, és homem por sentires, és homem por seres sensível – quanto mais sensível, mais Homem. Queres lá saber que te chamem «maricas» ou «chorão». Chora muito homem – e não te mates.

Chorar lava a alma. Quando era miúdo, a minha Mãe ensinou-me que «chorar fazia bem». Só depois entendi que nem todos tiveram uma Mãe tão humana quanto a minha. Só mais tarde percebi que, teoricamente, «ser masculino é ter-se o lenço enxuto». Mas não é. Ser masculino é ter-se o lenço como nos apetecer e não aderir a narrativas promotoras de masculinidade tóxica. Porque matam.

Em Portugal os homens cometem suicídio numa escala de 3:1 em relação às mulheres. O medo de parecerem ‘fracos’ ou ‘gays’ ou ‘femininos’ faz com que os homens não falem sobre os seus sentimentos. Nós não nascemos de pedra, nascemos de carne. Permitamos, em sociedade, que os homens se comportem como Homens e não como blocos de mármore – e combatamos, assim, o flagelo do suicídio masculino: pois mais vale um homem chorão e vivo do que um homem forte, mas morto.

Ah, e as flores da tua casa são lindas.

Intercidades Lisboa-Porto,

3 de maio de 2021