Teletrabalho – O problema de uma solução!

Em termos legais, o teletrabalho já está previsto no Código do Trabalho, mas a sua recente generalização levantou várias questões

Por Carla Magalhães – Diretora da Licenciatura em Gestão e Desenvolvimento de Recursos Humanos da Universidade Lusófona do Porto 

Nos últimos meses o teletrabalho tem sido apontado como uma solução para responder a alguns problemas derivados da pandemia. Além disso, são já muitas as empresas que estão a investir nesta prática de trabalho, de forma mais permanente, à semelhança do que ocorre noutros países.

Em termos legais, o teletrabalho já está previsto no Código do Trabalho, mas a sua recente generalização levantou várias questões, que ainda não estavam devidamente regulamentadas, tais como o pagamento do subsídio de refeição e a disponibilização do equipamento necessário, por parte das organizações. Aparentemente, estas questões têm sido clarificadas, mas outras permanecem no horizonte, de uma forma mais sombria, nomeadamente: as despesas que o trabalhador tem que suportar ao nível dos gastos domésticos extra, tais como luz, água, gás e internet; as horas que o trabalhador pratica, que muitas vezes vão para além daquelas que seriam praticadas em contexto empresarial; o isolamento ao qual o trabalhador está sujeito; a falta de formação associada a esta prática, o que se torna ainda mais preocupante nas camadas populacionais que demonstram uma maior iliteracia a este nível e/ou uma menor sensibilidade e disponibilidade cognitiva para trabalhar dentro destes moldes; a dificuldade em gerir uma rotina laboral dentro de uma rotina familiar que nem sempre é compatível com o desempenho e produtividade expectáveis (o que pode ser particularmente crítico no caso das mulheres que possuem filhos pertencentes a uma faixa etária que implica uma maior assistência); o desgaste físico e mental, que pode acarretar o aumento de custos médicos; a partilha do espaço íntimo com o espaço profissional, que interfere com a privacidade, entre outros fatores.

Mediante isto, vale a penaperguntar: Estaremos nós preparados, sob o ponto de vista legal, social e cultural, para fazer face aos desafios do teletrabalho? Saberemos nós tirar proveito de uma ferramenta que já deu provas de ser muito funcional e sustentável noutros países, sendo que, para isso, é preciso investir e motivar as pessoas que se situam nesse paradigma? Até que ponto os estudos que antecipam que uma franja considerável da população gostaria de continuar em teletrabalho, conseguem também antecipar as consequências que o mesmo terá nessas pessoas e nos seus agregados familiares, a médio e longo prazo, se não forem tomadas medidas que contornem os constrangimentos atrás referidos? 

Urge aprovar uma lei que promova as boas práticas a este nível. Urge mostrar às empresas que os lucros retirados do teletrabalho rapidamente se transformarão em custos se não forem contrariadas as situações atrás descritas. Urge sensibilizar as pessoas para os efeitos perversos que o teletrabalho pode ter, de forma a que elas possam desenvolver mecanismos de proteção e resposta. Urge compreender que o teletrabalho deve ser a solução de um problema e não o problema de uma solução!