Carmo Gomes: Sporting devia garantir testes para os adeptos que estiveram nos festejos

Especialistas consideram que falhou o planeamento nos festejos do Sporting. DGS recomenda a adeptos que façam testes, mas não serão comparticipados..  Epidemiologista Manuel Carmo Gomes considera que Sporting devia assumir iniciativa de garantir testes nos próximos dias. Não uma orientação geral sobre eventos de massas – e para a semana há mais.

Depois da festa leonina, a avaliação do que correu mal e o controlo de danos. O Presidente da República puxou as orelhas a todos os envolvidos e o MAI ordenou a abertura de um inquérito à atuação da PSP. A Direção Geral da Saúde garante que se articulou com as entidades envolvidas e recomendou aos adeptos que não tiveram cuidado para que façam dois testes à covid-19, um ao quinto dia (domingo) e outro ao décimo (sexta-feira da próxima semana). Mas, segundo o i apurou, os testes não serão comparticipados. Ficará na mão de cada um testar-se e seguir as restantes recomendações, como diminuir contactos nos próximos 14 dias.

Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, um dos peritos que ao longo dos últimos meses aconselharam o Governo, é taxativo: em termos epidemiológicos, continua a existir risco em grandes ajuntamentos como os que se viram em Alvalade, sobretudo quando não se usa máscara, quando se entoam cânticos e se grita – o que hoje se sabe estar associado a eventos de super-disseminação, neste caso com a vantagem de terem sido ao ar livre. Para o especialista, só quando estiver vacinada toda a população com mais de 50 anos e pessoas mais novas mas com factores de risco como obesidade e diabetes, que podem desenvolver quadros graves de covid-19, é que será aceitável um evento desta dimensão. “Diria que no verão poderemos já ter uma situação mais normal, mas agora foi um disparate”, afirma.

Mais do que “chorar sobre leite derramado”, Carmo Gomes concorda com a recomendação de testagem a quem tenha estado mais exposto, embora tenha sugerido uma janela diferente da DGS: que os testes sejam feitos nas 48 a 72 horas seguintes. Ao i, o investigador explica que é importante as pessoas perceberem que se podem ter infetado – o que é verdade aqui como noutra situações de risco, maior quando não se adoptam medidas de proteção – e que o vírus tem um período de latência de um a três dias, a partir do qual se pode ficar infeccioso mesmo sem ter sintomas. Nesse sentido, reforça por um lado a importância de evitar estar com pessoas mais vulneráveis, em especial não vacinadas. Por outro, defende que a testagem permitiria conter a transmissão caso de facto tenha havido um contágio. Assim, quando mais precoce o teste, melhor. A sua recomendação é que ao terceiro dia se fizesse um teste PCR, mais sensível. No caso de um teste rápido, poderia também ser feito passadas 72 horas, e caso dê negativo, repetir alguns dias depois. E as pessoas vão ter esse gasto, no caso do PCR 100 euros? Para Carmo Gomes, o clube podia dar um exemplo de responsabilidade social. “Devia ser o próprio clube em articulação com as autoridades de saúde a organizar um sistema de testagem. Penso que seria possível nas instalações do estádio, que são muito espaçosas, organizar um local de testagem e incentivar os adeptos a passar por lá nos próximos dias”, propõe o investigador. “Se é PCR ou antigénio, dependerá do que o clube entender gastar, mas penso que o clube tem responsabilidades sociais e não pode meramente varrer este problema para debaixo dos tapetes das autoridades de saúde, que também têm responsabilidades, mas o problema é sobretudo o que se faz agora a seguir.”

 

Espontâneo mas previsível – e para a semana há mais

Para Manuel Carmo Gomes, o ajuntamento sugere que falhou o planeamento, que podendo ter sido espontâneo era “previsível”. Segundo o i apurou, tão previsível que as conversações sobre medidas a adoptar começaram no final de abril, nomeadamente em contactos entre a Liga e a DGS, mas na prática pela manhã de terça-feira já se começavam a juntar centenas de adeptos na envolvente do estádio, a Juve Leo colocou um ecrã gigante no exterior do estádio e a concentração, ao invés de ser mitigada, foi aumentando. Para Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, falhou igualmente o planeamento e sai reforçada a necessidade de haver antecipação, fiscalização e regras bem definidas. Atualmente não existe uma orientação geral sobre eventos de massas, com eventos interiores e exteriores a passar pela DGS. Para o médico, seria importante haver uma definição, até por que se aproximam novos eventos, desde logo a final da Taça de Portugal na próxima semana. “Sem regras, existe um vazio”, sublinha. Está ainda agendado o rali de Portugal, com público autorizado mas que passará por concelhos atualmente com uma situação epidemiológica considerada de risco (ver ao lado). Esta quarta-feira, celebra-se em Fátima o 13 de Maio, com 7500 peregrinos autorizados no recinto – mas com medidas de segurança mais visíveis, como áreas delimitadas para grupos e acessos controlos. “Como sempre dissemos, é importante haver coerência nas medidas para que exista uma maior adesão da população”, defende Ricardo Mexia.