Supremo. Presidente considera gestão de megaprocessos “grande dificuldade” do sistema

António Joaquim Piçarra abandona o cargo de presidente do STJ a 18 de maio, quando completará 70 anos e passará à condição de jubilado.

A cinco dias de abandonar o cargo, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) apontou a gestão dos megaprocessos dos crimes económicos como a “grande impotência” do sistema, que faz duvidar do funcionamento e da credibilidade da Justiça e da democracia.

“A grande dificuldade é a gestão dos processos especialmente complexos, especialmente na área criminal. Este continua a ser o maior problema, esta é a grande impotência do sistema. E é uma falta grave que põe em causa o funcionamento de toda a Justiça, afeta seriamente a sua credibilidade e motiva a desconfiança dos cidadãos”, declarou António Joaquim Piçarra, esta quinta-feira, na cerimónia de reinauguração das instalações do STJ, em Lisboa.

Na ótica de Piçarra, que ocupa o cargo desde 4 de outubro de 2018, o sistema continua “a não conseguir tratar de forma eficiente” os processos criminais complexos, pondo em causa o sistema democrático. 

Por outro lado, evidenciou que todos os órgãos de soberania, e não só os tribunais, devem encontrar um caminho para solucionar este problema maioritariamente conectado “ao chamado fenómeno da corrupção”.

Enriquecimento ilícito O presidente do STJ, que desempenhou por inerência as funções de presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e deste foi vice-presidente nos anos compreendidos entre 2013 e 2016, apelou a que seja realizada uma “análise profunda, estruturada e consequente” que impeça “soluções inconsequentes e erráticas” naquilo que diz respeito ao enriquecimento injustificado – cuja criminalização tem sido alvo de um debate que conduziu a mais de uma década de iniciativas chumbadas no Parlamento – e às eventuais alterações na estrutura do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC).

Para o magistrado, que foi igualmente presidente do Tribunal da Relação de Coimbra entre 2006 e 2011, “o país não consente mais soluções esparsas ou miríficas. Exige-se consistência na avaliação e coerência nas respostas”.

“Se criarmos novos tipos de crime e os processos continuarem a durar dez, quinze ou mais anos isso será importante”, afirmou, adiantando que “encontrar atalhos punitivos para contornar a dificuldade de perseguir os crimes efetivamente cometidos pode não ser bom caminho”.

Reforma na justiça Aquele que foi desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra entre 2000 e 2018, e que se jubilirá dentro de cinco dias, aos 70 anos, invocou o facto de que o TCIC, composto por dois juízes, ter tido menos de 20 instruções distribuídas e, por esse motivo, não se justifica aumentar o número de magistrados, na medida em que tal tem “sustentação numa lógica de boa gestão do sistema”.

No entanto, Piçarra, que também foi vogal do Conselho Superior da Magistratura no período compreendido entre 1998 e 2000, defendeu alterações e mudanças “devidamente pensadas e trabalhadas para o reforço do sistema de Justiça e da sua capacidade de resposta” e “não para resolver problemas individuais, não para esconder idiossincrasias de algum agente” afiguram-se imperativas.

Neste sentido, falando à margem da reinauguração das instalações do STJ,  a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, disse que está fora de hipótese a extinção do TCIC, tribunal especializado na criminalidade mais grave e complexa, mas que “nunca nada ficará como antes”.

“O Governo colocou em cima da mesa três hipóteses: o aumento do número de magistrados do TCIC, a sua incorporação no Tribunal de Instrução Criminal ou a possibilidade de serem criados núcleos deslocalizados do TCIC ao nível dos quatro tribunais da Relação”, esclareceu a dirigente.

O ainda presidente do Supremo terminou a sua intervenção mencionando que “os cidadãos têm direito a uma Justiça forte, íntegra e independente, não uma justiça popular e, ainda menos, uma justiça populista. Uma Justiça séria e elevada” e rematou: “Não estamos aí, mas também não estamos tão longe disso como muitas vezes se apregoa e alguns tentam fazer crer”.

A atual vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Maria dos Prazeres Beleza, e os conselheiros Henrique Araújo e António Reis são os candidatos à sucessão de António Joaquim Piçarra na presidência do STJ, nas eleições do próximo dia 18.