Anthony Hopkins. O Óscar, a vida depois do alcoolismo e sucesso nas redes

O ícone britânico com o olhar assustador e feitio difícil, tornou-se o ator mais velho a ganhar um Óscar com a sua interpretação no The Father: o corolário perfeito para uma carreira repleta de marcos, fracassos e frustrações e uma vida pessoal angustiada.

Oseu rosto é inconfundível. Talvez até se possa dizer que Anthony Hopkins é uma das lendas vivas na história do cinema. Há quem o conheça apenas pelos seus grandes papéis em filmes que fizeram tremer as audiências, como The Silence of the Lambs; Hannibal ou The Rite, mas a verdade é que existe toda uma bagagem por detrás destes papéis duros e intensos. Os seus olhos azuis desvendam uma vida cheia de tristezas, o sorriso, tímido e misterioso, conta histórias que poucos conhecem e, a verdade é que quer se goste, ou se odeie, Anthony Hopkins não passa despercebido e carrega consigo uma história que podia facilmente ser confundida com o terror de alguns filmes nos quais atuou. 

A sua imagem pública é a de um ator extremamente prestigiado tanto no teatro como no cinema e, há uns anos, surpreendentemente, viajou dos grandes palcos e telas para os pequenos ecrãs das nossas casas, através das aplicações como o Twitter e TikTok, tornando-se o ‘velhinho’ mais amado da internet. Este ano, com 83 anos, bateu o recorde de idade como vencedor da categoria de melhor ator nos Óscares pelo filme dramático The Father, onde experiência a demência no seu estado mais cru. Uma infância infeliz, uma grande luta contra o alcoolismo, a depressão e os ataques de raiva, o abandono da sua filha ainda recém-nascida, o ódio a Shakespeare e o amor ao dinheiro. 

O Óscar 

Foi o último prémio entregue na cerimónia dos Óscares deste ano e o segundo Óscar do ator, quase 30 anos após ter recebido o prémio por interpretar Hannibal Lecter no The Silence of the Lambs. E, tal como já todos podiam esperar, Hopkins surpreendeu mais uma vez: o ator estava a dormir quando o prémio foi entregue. Foi o próprio agente do veterano ator, Jeremy Barber, a confirmar o caricato episódio à People Magazine, declarando que «o ator tinha regressado recentemente a casa e estava a dormir, por volta das quatro horas da manhã, quando lhe ligou a contar da novidade».  

Depois de acordar, Anthony Hopkins partilhou no seu Instagram um vídeo a agradecer o prémio, dizendo: «Aos 83 anos, não estava à espera de vencer este prémio. Estou muito grato à Academia, obrigado», admitiu. 
Em The Father, o ator galês, naturalizado como americano, vive dentro de um homem, com o mesmo nome, que luta contra a confusão e o vazio da demência. O pai recusa a ajuda de cuidadores e começa a duvidar das intenções da filha. As visões, a confusão e a perda de identidade fazem-no mergulhar num mar de frustrações e tristezas. No filme dirigido por Florian Zeller, baseado na peça francesa premiada de Zeller, Le Pére, Hopkins, alterna entre o colérico e o confuso, o indefeso e o desafiador. O roteiro de Zeller, adaptado por Christopher Hampton, é uma espécie de labirinto que emerge o espetador na consciência confusa de um pai: os personagens desaparecem, os cenários e os rostos mudam e o espetador é convidado a uma viagem dentro da desorientação do próprio personagem. Hopkins poderá ter encontrado inspiração nas suas próprias mágoas: há mais de duas décadas que não fala com a única filha, a cantora e atriz Abigail Hopkins, de 52 anos. Segundo a imprensa internacional, o tema continua a ser um tabu inclusive para amigos próximos do ator. Contudo, o artista revelou no mês passado, numa entrevista à The New Yorker, que foi tudo mais fácil pelo roteiro e o elenco excelentes e, por mais que nunca tenha experienciado a doença, ou estado perto de quem a experienciou, por ter «83 anos e estar mais perto da idade perigosa em que isso poderia acontecer», conseguiu facilmente incorporar o personagem. 

Infância marcada pela solidão

«Eu era um idiota na escola, nem sabia ver as horas», confessou o ator numa entrevista dada à revista Playboy, em 1994. Hopkins nasceu em Port Talbot, País de Gales, fruto do relacionamento entre os padeiros Muriel Yeats Annee e Richard Arthur Hopkins. A família morava na parte rural da cidade siderúrgica e, por isso, quando foi para a escola, o artista sentia que estava num ambiente «completamente estranho»:  «Lembro-me da sensação que foi entrar no primeiro dia de aulas e sentir aquele cheiro a leite estragado, a palhinhas e a casacos húmidos. Sentei-me totalmente petrificado e aquele sentimento permaneceu comigo toda a minha infância e adolescência», contou. Hopkins afirma que aquele medo permaneceu consigo durante quase toda a vida, «aquela ansiedade torturante de que eu era estranho no meio dos outros, que era pouco popular», revelou. «Não tinha amigos e nunca brinquei com nenhuma das outras crianças, só queria ficar sozinho», acrescentou. Mas, para além da reprovação dos colegas, Hopkins era diminuído tanto pelos professores, como pelos próprios pais que lhe chamavam de «tonto» e afirmavam inúmeras vezes que ele «seria sempre tonto demais para qualquer trabalho»: «Nunca tive nenhum amigo e passava as tardes a desenhar e tocar piano», confessou. Para além de se sentir um «idiota», calcula que possa ter tido graves problemas de aprendizagem, já que «não entendia mesmo nada daquilo que era lecionado». Aos cinco anos a mãe obrigou-o a ter aulas de música, mas essa obrigatoriedade depressa se transformou em paixão e foi o refúgio no meio da solidão. Atualmente, com um piano Bösendorfer, o ator esconde-se na cave e toca: «Tento fazer peças muito difíceis de Rachmaninoff, Chopin e Scriabin, mas não tenho ambições de tocar no Carnegie Hall ou algo parecido, toco para meu próprio prazer», contou à The New Yorker.

Richard Burton também era de Port Talbot, e «Hopkins Maluco», como o chamavam na época, conheceu-o aos 15 anos. «Ele contou-me que virou ator porque não prestava para trabalho nenhum e depois, entrou no seu Jaguar e foi-se embora. Não se viam muitos carros assim no pós-guerra e naquele momento entendi que precisava de sair daquele sítio, de deixar de ser quem era e ser rico e famoso. Foi a partir desse momento que comecei a sonhar em morar nos Estados Unidos da América», recordou. 

Do teatro ao cinema

Anthony Hopkins não gostava da escola e não se adaptou ao ensino regular. A área dele sempre foi as artes e desde cedo começou a pintar, escrever e tocar. Mas, apesar desse fracasso escolar, o seu currículo académico de ator está recheado. 

Em 1949, com o objetivo de lhe dar alguma disciplina, os pais insistiram que este fosse para a West Monmouth School, em Pontypool. Ficou lá durante cinco anos e, mais tarde, ingressou na Cowbridge Grammar School, no Vale de Glamorgan. Depois de ter conhecido Richard Burton acabou por ser influenciado a enveredar pela representação, tendo-se matriculado no Royal Welsh College of Music & Drama, em Cardiff, onde se formou em 1957. Depois de uma pausa de dois anos, onde serviu o exército britânico, o ator mudou-se para Londres e começou a trabalhar na Royal Academy of Dramatic Art. Em poucos anos alcançou o máximo prestígio, aquele que qualquer ator britânico aspira: protagonizar obras do National Theatre com a produção da peça Have a Cigarette, em 1960. Cinco anos depois, trabalhou com Laurence Olivier, que o convidou para se tornar a sua reserva, substituindo-o quando este sofreu de uma apendicite durante a produção de The Dance of Death, de August Strindberg, que não o permitia atuar. 
Mas apesar de toda a fama e sucesso em cima das madeiras, Hopkins depressa ficou cansado de repetir os mesmos papéis noite após noite, ansiando as luzes da ribalta de Hollywood: «O teatro não se encaixa na minha personalidade nem no meu temperamento. Nunca me diverti. O teatro britânico é muito académico e eu sempre fui péssimo aluno. Não gosto da autoridade, já sofri suficientes abusos enquanto criança», afirmou em declarações à revista americana Vanity Fair. E foi em 1968 que se estreou nas grandes telas com o filme The Lion in Winter, interpretando Ricardo I da Inglaterra, junto com Peter O’Toole, Katherine Hepburn e o futuro James Bond, Timothy Dalton.

A raiva, o álcool e o dinheiro 

Em 1968, deixou a primeira mulher, com quem tinha um bebé de quatro meses, por se ter apercebido que era «egoísta demais» para criar e preservar uma família. Há três anos, afirmou ao The Guardian vir «de uma geração na qual os homens eram homens». «E a parte negativa disso é que não nos damos bem com receber amor ou dá-lo. Não entendemos», refletiu. Apesar de uma tentativa de aproximação nos anos 90, Hopkins nunca teve relação com sua filha e hoje não sabe sequer se tem netos. Ainda na década de 90, o ator ganhou a fama de «temperamental», pois sofria de ataques de raiva durante as filmagens, enfrentava os diretores e chegava a desaparecer sem dar justificação. Algum tempo depois, chegou a admitir que como não queria beber enquanto trabalhava, a sua agressividade aumentava porque estava constantemente de ressaca. O ator contou à The New Yorker, que o dia 29 de dezembro de 1975, ficou para sempre marcado na sua memória: amanheceu num motel de Phoenix sem ter a menor ideia de como tinha chegado lá e, desde aí, nunca mais voltou a beber. «Admiti a mim mesmo que tinha medo e isso deu-me uma liberdade maravilhosa. Sentia-me sempre inseguro, paranoico e aterrorizado», confessou.  

Em 1981, quando já tinha vencido dois Emmys de Melhor Ator em Minissérie ou Telefilme em The Lindbergh Kidnapping Case e The Bunker, o seu pai morreu. No seu último suspiro, Anthony aproveitou para lhe dizer que o amava (foi a primeira e única vez que lhe disse), mas só se atreveu a beijá-lo depois de morto. O médico informou-o que o seu coração tinha cedido por causa dos anos a fio de esforço. «Quando penso em como meus pais se escravizaram a vida inteira numa padaria para ganhar uma miséria, chego à conclusão que para mim foi tudo fácil demais. Tenho vergonha de ser ator. Atuar é uma arte de terceira. Pagam-nos muito e dão-nos muita trela. Gosto da atenção e do dinheiro, mas sinto-me um vigarista», lamentou ao The Guardian.

Apesar do sucesso no filme The Bounty, a sua carreira em Hollywood não descolava, e este teve que voltar a Londres pensando que estava em declínio. Até que o seu agente norte-americano lhe ligou, uns dias depois, dando a notícia de que o Gene Hackman tinha recusado o papel de Hannibal Lecter, e ele era a segunda opção.
Bastaram 17 minutos no filme The Silence of The Lambs, de 1991, para que o ator entrasse para a história do cinema, com o primeiro trabalho que lhe valeu o Óscar de Melhor Ator. Três anos depois, Anthony Hopkins recebeu da rainha Elizabeth II, o título de ‘Sir’, ao ser nomeado Cavaleiro do Império Britânico, pelos seus serviços prestados como ator. Mas, muito mais que um triunfo profissional, Anthony viu a oportunidade de mostrar a todos aqueles que duvidaram dele: «Queria curar a minha ferida interna, queria vingança. Queria dançar sobre as tumbas de todos aqueles que me fizeram infeliz. Queria ser rico e famoso e consegui», gabava-se na época à Vanity Fair. Apesar do público o ver como um senhor sensível e retraído, sempre sentiu necessidade de corrigir essa perceção:  «Posso ser um tirano sem escrúpulos. Eu quero o que quero. Sou muito, muito egoísta. Algo me atormenta, não sei o que é, mas provoca-me muita inquietação», declarou em 1996.

O sucesso nas redes sociais

Durante a rodagem de Transformers, em 2017, Hopkins abriu uma conta no Twitter. Com vídeos do seu quotidiano, o artista tem causado sensação entre os internautas e a sua mais recente descoberta foi o TikTok, onde publica vídeos a dançar as músicas de Drake. A sua esposa, Stella Arroyave, convenceu-o também a partilhar algumas das suas artes e, por isso, quem navegar nas suas redes poderá encontrar várias das suas composições e pinturas. 
Atualmente vive na tranquilidade do País de Gales, em comunhão com a natureza e afirma nunca ter sido tão feliz em toda a sua vida. O diagnóstico de Asperger leve já na terceira idade explicou a sua dificuldade em interagir socialmente e o ator diz que, finalmente, se consegue entender um bocadinho melhor. l