Biblioteca Pessoal: O caçador de vampiros e o falsário

Um colecionador de livros raros aparece espancado, às portas da morte, e com as mãos cortadas na sua casa junto à praia.

Lançada em 1947, a Colecção Vampiro publicou ao longo de seis décadas (até 2007) o melhor da literatura policial. Ellery Queen, S S van Dine, Gaston Leroux, Raymond Chandler, Agatha Christie e Georges Simenon são alguns dos autores cujos nomes brilham contra o pano de fundo sombrio do mundo do crime e do mistério.

Desde miúdo que me lembro de ver esses pequenos volumes enfileirados numa prateleira em casa do meu Tio Nuno, a única pessoa que conheço que não só possui a coleção completa como leu todos os 705 volumes que a compõem. Quando a coleção foi relançada aqui há poucos anos e escrevi um textinho sobre o seu caso, intitulei-o ‘Caçador de vampiros’.

O meu Tio sabe que não é fácil oferecer-me livros, porque além de já ter bastantes sou um leitor exigente. Mas tem conseguido acertar sempre. Foi ele quem me deu a conhecer o norte-americano Raymond Carver, em particular a sua obra-prima Catedral; foi graças a ele que li pela primeira vez Jeffrey Archer; ofereceu-me o delicioso Golpe de Mestre, de Michael Frayn; e, com o seu entusiasmo, convenceu-me a ler O Imenso Adeus, de Chandler. 

Em compensação, também eu lhe empresto ou ofereço livros de que acho que vai gostar. Um dos últimos foi Contador de Histórias, de Archer. Por acaso até já o tinha comprado… mas o seu exemplar não tinha, como o que eu lhe ofereci, a particularidade de estar autografado pelo autor.

Neste último Natal, o meu Tio ofereceu-me um livro de um escritor que me era perfeitamente desconhecido. Chama-se Os Falsários, o autor é Bradford Morrow e foi editado em 2017 pelo Clube do Autor. Começa com um crime violento, como não podia deixar de ser (não preciso de dizer que o meu Tio gosta de ‘molhar o pão na sopa’): um colecionador de livros raros que aparece espancado, às portas da morte, com as mãos cortadas, na sua casa junto à praia, em Montauk (EUA).

A história é contada pelo namorado da irmã da vítima, um antigo falsificador de autógrafos e dedicatórias, especializado em literatura anglo-saxónica do século XIX e início do século XX, e apaixonado por Sherlock Holmes.
Bradford Morrow sabe como combinar nas proporções certas este enredo promissor, uma escrita cativante e um manancial de informações eruditas sobre o mundo das falsificações e dos livros raros. Encontramos aqui todos os ingredientes que se esperam num bom policial, não faltando sequer uma personagem esquiva e sombria que chantageia o simpático protagonista.

A expectativa do leitor atinge o clímax quando os dois inimigos combinam um almoço tardio no hotel de uma pacata localidade irlandesa. Não terá o nosso falsificador arrependido feito o suficiente para conquistar o direito ao descanso junto da mulher que ama? Não pagou já pelos erros cometidos no passado?

Qualquer aprendiz de escritor sabe que o início e o final de um livro são cruciais. Num policial isso é talvez ainda mais verdadeiro. Os Falsários começa com esta frase: «Nunca lhe encontraram as mãos». Quanto ao final, evidentemente não o vou revelar. Mas podem acreditar em mim quando digo que, embora Morrow não seja tão conhecido como os grandes nomes que referi ao início, está à altura dos melhores.