…E Madrid aqui tão perto!…

Iglesias seguiu os ensinamentos do seu correligionário Louçã, quando este se retirou da liderança do Bloco, entregando-a a uma bizarra solução bicéfala…

As esquerdas espanholas apanharam um susto e temem, com razão, que a vitória retumbante de Isabel Díaz Ayuso nas eleições para a comunidade autonómica de Madrid se projete à escala nacional, onde se somam cansaços e desilusões crescentes perante um governo desgastado, cuja liderança demonstrou uma profunda inépcia durante a pandemia.

Imagine-se uma reviravolta semelhante por cá, com o PS a perder o controlo do Município de Lisboa nas próximas eleições locais, e as esquerdas a serem desalojadas de outras autarquias nucleares para a sua estratégia de consolidação do poder. 

Seria um desastre anunciado para as legislativas seguintes, por muito que haja quem teorize que se trata de eleições diferentes. E são. O certo, porém, é que em dezembro de 2001, António Guterres, então primeiro-ministro, não hesitou em tirar as consequências do revés eleitoral nas autárquicas, demitindo-se, como fez agora Pablo Iglesias, ao sofrer uma humilhante derrota em Madrid, após ter abdicado da vice-presidência do Governo. 
Com uma diferença não despicienda: Guterres afastou-se, para não cair, confessadamente, no «pântano político», enquanto Iglesias há muito que se afundava nele.

Iglesias seguiu, afinal, os ensinamentos do seu correligionário Francisco Louçã, quando este se retirou, estrategicamente, da liderança do Bloco, entregando-a a uma bizarra solução bicéfala, a seguir à pesada derrota nas legislativas de 2011.

Louçã nunca disse, ao contrário de Iglesias, que terminara ali a sua carreira política. Foi mais fino. Ficou a manobrar na sombra, amealhando peso político e espaço de doutrinação. 

O grupo Balsemão concedeu-lhe importante ajuda, ao arvorá-lo ‘comentador’, na SIC e no Expresso, e, com essa visibilidade, acabou por chegar a conselheiro de Estado e do Banco de Portugal.

O afastamento político de Iglesias tem muito a ver com o simulacro de Louçã. Ambos são neocomunistas que não renunciam à sua fé, e que estão na política para agitar e criar as condições propícias à revolução em que acreditam. 
Ambos se apresenta, também, ungidos com as vestes universitárias, que dão sempre jeito, enquanto a academia for ‘um estatuto’, e o território ideal para cultivarem as suas ideias fraturantes. 

Há mais semelhanças do que se supõe entre a política portuguesa e a espanhola, embora por lá a monarquia não tenha precisado de um golpe de Estado para recuperar a linhagem democrática. 

Pelo contrário, o Rei Juan Carlos teve a coragem de se opor e fazer abortar o ato alucinado do coronel Tejero Molina, quando este irrompeu no Parlamento, em fevereiro de 1981, como “ponta de lança” de um ‘putch’ militar, que visava interromper o processo democrático e que ficou na memória popular como o ‘23F’.

Apesar do sobressalto, a Espanha soube aproveitar a lição portuguesa, e não repetir alguns erros.

Descontado o ‘intermezzo’ de Tejero, a transição foi consistente, embora manchada pelos atentados da ETA, e confrontada com os desafios duros das pulsões nacionalistas. 

A ascensão meteórica do Podemos e as limitações do PSOE, liderado por Pedro Sánchez, repuseram a Espanha na ‘corda bamba’, com a agravante da Coroa estar ainda a recuperar de episódios que deixaram marca.

Esta mudança eleitoral ocorrida em Madrid, poderá configurar a viragem do Partido Popular e da direita espanhola, e ser um exemplo de ‘nervo’ para a apática direita portuguesa. 

É certo que nos falta uma Isabel Ayuso a disputar o município da capital, mas conviria que Rui Rio apostasse, sem medos, em Carlos Moedas, que trocou o conforto da Gulbenkian por uma candidatura de risco, e que este se tenha convencido, também, que não vai lá com ‘falinhas mansas’.

Convirá que Moedas não fique refém da sua civilidade e palmilhe a cidade ao pormenor, conhecendo-a por dentro, sem se fixar apenas nas fachadas e ruas coloridas para turista ver… 

É urgente que faça um levantamento exaustivo das mazelas da capital – e são muitas –, da responsabilidade direta de Medina ou com as quais pactuou e deu cobertura. 

Lisboa precisa de recuperar a sua identidade, depois de a governação socialista a ter enxameado de ciclovias que quase ninguém usa, e de milhares de pilaretes, que transformaram a mobilidade num calvário. E numa alcunha. 

Finalmente, se Moedas está sinceramente persuadido, como diz o seu cartaz promocional, de que ‘Lisboa pode ser muito mais do imaginas’, deverá estar avisado sobre os ‘buracos’ que proliferam na gestão urbana e prevenido para as armadilhas que lhe preparam…

NOTA EM RODAPÉ – Depois do «estrume» que escreveu no Twitter contra o programa Sexta às nove” da RTP, João Galamba ainda é governante? Estranhamente o ministro do Ambiente veio dizer que é «assunto está encerrado», e o primeiro-ministro não o negou. Já somos uma ‘república das bananas’?…