A nulidade colaborante

Ora, a verdade é que não basta dizer que queremos receber todos. O Estado (e cada um de nós) tem de prestar atenção às condições em que os imigrantes vivem. 

Para muitos será certamente muito interessante discretear sobre as façanhas do ministro Cabrita.

Creio que não vale a pena perder tempo. 

Corremos o risco de o transformar no bode expiatório de muitas coisas que têm corrido mal e em relação às quais, do ponto de vista da sua intervenção, acumulou comentários infelizes, precipitações e erros.

Feliz vive o primeiro dos ministros com ele. É bem feito.

O conjunto dos problemas que recentemente foram levantados é muito mais importante. 

Porquê? Porque têm a ver com questões essenciais que cruzam a sociedade portuguesa.

Que fazer perante a pressão imigratória, por exemplo.

Conhecemos, como portugueses, o problema visto do lado de lá.

A falta de condições de vida levou-nos a procurar outros países e outras sociedades que nos permitissem ter o que não conseguíamos cá dentro.

Temos experiência dos passadores, temos a memória dos bidonville que nos acolheram, temos a consciência do esforço sobre-humano ou da exploração a que fomos sujeitos.

Nada disso é novo para nós.

Hoje, multiplicam-se os povos famintos, os que estão prontos a tudo para fugir à miséria. São um universo de disponíveis.

É humanamente irrecusável a ajuda e o acolhimento.

Mas há muita gente a ganhar com esta situação.

Em primeiro lugar os traficantes de pessoas, os contratadores, os que, organizadamente sugam os migrantes no pagamento das viagens, ou do alojamento, ou nas percentagens sobre os contratos de trabalho.

Depois aqueles que, promovendo o investimento em áreas de mão de obra intensiva, procuram minimizar os custos.

Por fim, os consumidores (internos ou externos) que pretendem pagar os bens pelo menor preço.

E daí que a pressão facilitadora sobre as leis da imigração não seja completamente inocente, não se esgote na bondade mas se complete no interesse.

Ora, a verdade é que não basta dizer que queremos receber todos. O Estado (e cada um de nós) tem de prestar atenção às condições em que os imigrantes vivem. Principalmente quando se deslocam em vagas que se limitam ao trabalho temporário e não conseguem a garantia de uma estadia permanente.

Caso contrário, a lei de imigração pode ser entendida como uma proposta enganosa.

Claro que a primeira exigência é a capacidade de resposta aos pedidos, a possibilidade de ser garantida a dignidade necessária, o cumprimento dos deveres de fiscalização por parte dos organismos competentes do Estado, a suficiência dos recursos previsíveis.

É isto que cumpre ao país avaliar e discutir.

Não com a simplificação da ideia de que quem vem quer roubar o trabalho aos nossos ou com a correspondente ligeireza de quem pensa resolver todos os problemas do mundo convidando-o a experimentar as delícias da nossa desorganização.

Não, certamente, com a insustentável leveza de uma Secretária de Estado aos imigrantes dedicada que declara a excelência da integração e ignora todos os problemas por resolver.

Ali, no Alentejo, e em tantas zonas do país.

E, quando a crise se declara, guarda, de Conrado, o prudente silêncio.

Existirá ela ainda, ou emigrou?

A suprema desconsideração foi ninguém a ouvir, ninguém a procurar, ninguém lhe dar qualquer importância.

Consegue inventar uma figura nova de demissão de um membro do Governo.

É a demissão por nulidade colaborante.