Sporting e a vergonha alheia

Uns dias antes do jogo, o secretário de Estado do Desporto dizia que tudo estava a ser preparado: «Sabemos que será muito difícil evitar essas manifestações e o melhor é enquadrá-las e dar-lhes as melhores condições. É possível juntarmos pessoas com segurança». 

O facto da semana foi sem dúvida a vitória dos leões, mesmo para quem não torceu por isso. É um facto extraordinário, desde logo, porque já não acontecia há muito tempo. Depois porque há três anos o clube viveu uma das crises mais traumáticas da história do futebol nacional, que acabou com a saída dos seus maiores trunfos desportivos e a destituição do seu presidente. Finalmente, porque a equipa de futebol recomeçou praticamente do zero com vários jogadores desconhecidos, muito jovens, provindos da formação do clube e de quem ninguém esperava nada, muito menos ao lado do plantel milionário do seu rival da segunda circular.

A vitória do Sporting tem, pois, qualquer coisa de épico. É um daqueles momentos em que a história parece que ensina coisas aos simples e acessíveis a todos. E nesta lição da equipa de Frederico Varandas e de Ruben Amorim sobressaem valores, decência, força e trabalho. 

Não torci, não desejei, não festejei, mas aos meus amigos sportinguistas dou-lhes os parabéns. E desejaria que qualquer coisa desta vitória ficasse em todo o futebol português. 

Uma vitória desta dimensão, depois de um ano muito difícil, teria que redundar em festejos explosivos. Não tem nada que saber, não é surpresa, nem imprevisto.

Cedo se percebeu que os sportinguistas fariam deste o momento da redenção familiar, o reencontro com a história, a pacificação de todas as dores e frustrações. A festa juntaria avós, pais e filhos, de todos os espetros, de todas as carências e abundâncias. A noite era de festa para não esquecer.

Uns dias antes do jogo, o secretário de Estado do Desporto dizia que tudo estava a ser preparado: «Sabemos que será muito difícil evitar essas manifestações e o melhor é enquadrá-las e dar-lhes as melhores condições. É possível juntarmos pessoas com segurança». João Paulo Rebelo garantiu que estavam já a falar os responsáveis do Ministério da Administração Interna, a Câmara Municipal de Lisboa, as forças de segurança e o Sporting.

No mesmo sentido, falou o presidente da Câmara Fernando Medina: «Estamos a estudar, estamos a trabalhar, estamos a pensar nas melhores soluções para se acontecer a vitória do Sporting no campeonato, poder haver festejos em segurança na cidade de Lisboa». «Evitar aglomerações e pontos de grande concentração de pessoas é essencial e é nesse sentido que estão a ser desenhados os modelos, que a seu tempo nós divulgaremos», frisou o presidente da Câmara.

Na noite dos festejos foi tudo ao contrário do que devia ter sido. Os adeptos foram encorajados a ir todos para o mesmo lugar, não houve qualquer controlo à circulação nem limitação de acesso a espaços pré-sinalizados. A festa foi fluindo sem qualquer direção, organização ou plano. Ou seja, uma total e completa incompetência.

Ler as declarações acima citadas depois do que aconteceu na noite dos festejos chega a suscitar vergonha alheia. Se tudo estava previsto, se a direção era uma e se depois foi tudo feito ao contrário de quem é a culpa? Dos sportinguistas, que não se souberam comportar, e da PSP, pois claro. A PSP foi contra a colocação de ecrãs no exterior do estádio, a PSP foi contra a criação de condições para grandes concentrações, a PSP foi finalmente contra a circulação do autocarro. Hoje sabe-se já que a PSP terá sido a única entidade a chamar a atenção para o perigo de tudo o que viria a acontecer.

O episódio do festejo do campeonato do Sporting é, pois, paradigmático. Nele reconhecemos todos os grandes defeitos que impedem Portugal de ser maior: os líderes falam muito, mas planeiam pouco. Não preparam nada como deve ser e o pior de tudo é que nunca assumem as suas responsabilidades. Acabam por evidenciar que estarem lá ou não estarem é mais ou menos igual. A gente acaba por se safar. 

Antes do jogo, estavam a ver tudo. Depois do que aconteceu ficaram em silêncio para acabarem a atirar a culpa para os sportinguistas e para a PSP.

Uma vergonha. 

Nota – Em política, o que parece é. E o ministro Cabrita é o que parece. 

Desde o início do seu mandato, os casos sucedem-se: as golas antifogo, os problemas com o voto antecipado, o contrato do SIRESP e a crise do SEF. Os festejos do Sporting foram apenas mais um, em que juntamente com Fernando Medina, se revelou aquém dos mínimos. A isto acresce uma desastrosa gestão da palavra. Percebe-se que o Primeiro-Ministro não o queira tirar dado serem amigos. Mas a mensagem que fica é que neste Governo a relação de compadrio é que conta quando a competência não existe.