Gaza. Sonhos e pesadelos enterrados entre escombros

Uma geração profundamente traumatizada saiu dos seus esconderijos, para encontrar um enclave cercado com condições ainda mais chocantes. 

Na faixa de Gaza, entre os escombros, as bombas pararam de cair, mas ainda não se sabe o que fazer com os edifícios inclinados em estranhos ângulos, danificados para lá do reconhecimento, que podem colapsar a qualquer momento, aumentando ainda mais a contagem de mortos e feridos. A ofensiva israelita deixou 248 palestinianos mortos, incluindo 66 crianças, com mais de 1900 feridos. Além de uma geração inteira traumatizada, que finalmente pôde sair dos seus esconderijos, após o cessar-fogo desta sexta-feira. Muitos tão cedo não voltarão a dormir descansados – boa parte já não o fazia antes.

Era esse o caso de pelo menos de oito das 66 crianças massacradas em Gaza. Faziam parte do programa de apoio psicológico e social do Conselho de Refugiados Norueguês (NRC, em inglês), que tentava ajudar estes jovens, nascidos entre a guerra e o duro bloqueio israelita, a lidar com os traumas do seu passado. “Ficamos chocados ao descobrir que oito crianças que estávamos a ajudar foram bombardeadas quando estavam em casa e pensavam estar seguras”, disse Jan Egeland, secretário-geral da NRC, em comunicado. “Elas desapareceram, mortas com as suas famílias, enterradas com os seus sonhos. E com os pesadelos que as assombravam”. 

Para outros, o pesadelo continua bem presente. “Tenho medo do escuro, não gosto da escuridão, por isso quando a eletricidade se desliga eu não gosto”, contou Nadeen, uma rapariga de dez anos, nascida nesta prisão em céu aberto que é a faixa de Gaza, à BBC. Nadeen tem que enfrentar os seus medos diariamente – antes da ofensiva, a eletricidade já escasseava constantemente no enclave, mas agora o abastecimento está limitado a três ou quatro horas por dia, devido aos danos na infraestrutura elétrica, bem como à falta de combustível para geradores, que Israel tem impedido de entrar, segundo o Haaretz. 

As palavras de Nadeem são difíceis de compreender, sobretudo saídas da boca de uma criança. Mas são receios cada vez mais comuns entre os testemunhos vindos de Gaza. “A minha mãe tem medo pelos filhos, o meu pai tem medo pelos filhos, eu e os meus irmãos temos medo uns pelos outros”, diz Nadeem. “Por isso tentamos sempre estar juntos. Porque se morrermos juntos ainda nos podemos ver quando formos para o céu”. 

 

Lar perdido As estimativas dos estragos dos bombardeamentos na faixa de Gaza batem os 250 milhões de dólares, mais de 200 milhões de euros, que recaírem sobre uma população que já vivia em condições miseráveis. Umas 800 mil pessoas têm dificuldade no acesso a água – 95% da água do aquífero de Gaza é imprópria para consumo, e falta energia para a purificar e dessalinizar – e mais de 80 mil foram desalojadas, com a destruição completa de 260 edifícios, 53 escolas, seis hospitais e 11 centros de saúde, segundo dados das Nações Unidas. 

Até as instalações da Al Jazeera e da Associated Press em Gaza foram varridas do mapa, como uma hora de aviso de evacuação. Para choque de Laila Al-Arian, uma correspondente premiada da Al Jazeera. “Uma hora depois, o meu irmão enviou uma mensagem e a história de facto tocou-me fundo. O nosso avô tinha um apartamento no edifício, que ele tinha comprado com as poupanças da sua vida inteira, e que deixou aos seus filhos como herança. Agora estava reduzido a escombros e cinza”, escreveu Al-Arian, no New York Times.

Como tantos outros, o seu avô fizera parte da geração que viveu a Nakba, ou catástrofe, em árabe, quando mais de 700 mil palestinianos foram expulsos pelo exército israelita das suas casas, em 1948, inundando a estreita faixa de Gaza com refugiados. Daí que, ainda hoje, seja um dos territórios mais densamente populados do planeta.

“É uma lição que nunca nos foi permitido esquecer, a palestinianos de todas as gerações”, escreveu Al-Arian, esta semana. “Um lar é algo fugaz. E pode ser tirado a qualquer momento”.