Elogios dos vendedores de livros

Uma pessoa mais desconfiada perguntaria: o risco de fazer o pagamento antecipado não é demasiado grande? Em centenas de negócios nunca fui defraudado. 

Olhando para os lados, enquanto trabalho, encontro conforto nas pequenas pilhas de livros que se vão acumulando sobre o tampo da secretária. São sobretudo livros de história ou história da arte, como os Diários de Delacroix, o famoso pintor francês que se dizia ser talvez filho ilegítimo do não menos famoso político e diplomata Talleyrand; uma imponente História da Europa, de Norman Davies, com mais de mil páginas; uma biografia de Frederico da Prússia, o monarca do século XVIII que era idolatrado por Adolf Hitler; um estudo sobre os pintores do Renascimento em Itália, da autoria de Bernard Berenson, o grande especialista na matéria, que terá enriquecido com chorudas comissões sobre as vendas de obras de arte em que servia de intermediário.

Estes quatro volumes têm uma coisa em comum: todos eles foram adquiridos através do OLX. Por razões de conveniência vária, mais do que qualquer livraria, nos últimos anos esta plataforma online para venda de artigos usados tornou-se o ‘abastecedor oficial’ da minha biblioteca.
Como funciona? De uma forma muito simples: com base na confiança. Quando vejo um livro que me interessa entro em contacto com o vendedor. Acordamos o preço e a forma de envio, faço-lhe uma transferência bancária no valor combinado e ele, assim que confirma a entrada do pagamento na sua conta, envia-me o livro pelo correio.
O mais extraordinário no meio de tudo isto é talvez o facto de, em centenas (e não estou a exagerar) de livros adquiridos nestes últimos quatro ou cinco anos, só um não me ter chegado às mãos. E posso assegurar que não foi por culpa do vendedor, que por acaso até o enviou em correio registado, mas devido a um erro a que eu próprio não terei sido alheio.

Uma pessoa mais desconfiada perguntaria: o risco de fazer o pagamento antecipado não é demasiado grande? Um vendedor menos escrupuloso não poderia simplesmente, uma vez feita a transferência, abotoar-se com o dinheiro? Marimbar-se para o envio do livro e dizer que se tinha extraviado no correio? Em centenas de transações nunca aconteceu.

Mas recentemente pude verificar que esta honestidade não é universal. Quando o filho de um casal amigo colocou um anúncio para a venda de uma consola Playstation, de imediato recebeu uma proposta. Apessoa em causa parecia muito interessada em pagar – ansiosa, mesmo – embora nem tivesse visto a mercadoria. Mas havia algo que não batia certo: o homem insistia em solicitar um código que não é necessário para fazer um pagamento por transferência bancária. Resumindo: tratou-se de uma tentativa de burla. E poucos dias depois ouvi uma história semelhante com a venda de uma bicicleta.
Que conclusão retirar desta pequena amostra? Ouvimos histórias nos jornais que nos fazem crer queo mundo está cheio de charlatões à espreita da primeira oportunidade para enganar o próximo. E está mesmo. Mas há um setor que, estranhamente, parece permanecer impermeável a essas pequenas misérias humanas. Honra seja feita aos vendedores de livros! Num mundo cheio de trapaças e enganos, a sua honestidade é de se lhe tirar o chapéu.

Obra completa
Francisco Sá de Miranda €44
Assírio & Alvim

O brilho e o prestígio de Camões têm de certo modo ofuscado a obra daquele sobre quem Almeida Garrett escreveu: «Sá de Miranda, verdadeiro pae da nossa poesia, um dos maiores do seu seculo, foi o poeta da razao e da virtude, philosophou com as musas, e poetizou com a philosophia. Seu muito saber, sua experiencia, seu tracto, e até a nobreza do nascimento, lhe deram indisputada superioridade a todos os escriptores d’aquelle tempo, dos quais era ouvido, consultado e imitado». Nascido em 1481, Sá de Miranda promoveu uma renovação em profundidade da poesia portuguesa, em parte fruto de uma prolongada viagem a Itália entre 1515 e 1527. Além de introduzir por cá os modelos clássicos, como o soneto, notabilizou-se também pelo ceticismo relativamente aos Descobrimentos, condensado nesta quintilha célebre da Carta a António Pereira, senhor do Basto:

«Não me temo de Castela D’onde guerra inda não soa, Mas temo-me de Lisboa, Que ao cheiro desta canela O Reino nos despovoa». O presente volume baseia-se na edição princeps de 1595, mantendo a grafia e pontuação quinhentistas.

Para além da ordem 12 novas regras para a vida 
Jordan B. Peterson €17,90
Lua de Papel

Embora não consiga livrar-se da fama de paladino do conservadorismo e adversário feroz das feministas, Jordan B. Peterson adota neste livro um tom bem diferente, menos polémico, mais de acordo com a sua profissão de psicólogo clínico. As ‘regras para a vida’ que encabeçam cada um dos doze capítulos – como ‘Não se torne numa pessoa falsa ou arrogante’ ou ‘Tente tornar uma das divisões da sua casa tão bonita quanto possível’ – são enganadoramente simplistas. Na verdade, Peterson recorre a uma grande profusão de fontes e parábolas, da Bíblia a Dostoievsky, da mitologia egípcia às aventuras de Harry Potter, sem esquecer a sua experiência profissional, para sustentar as suas opiniões e os seus conselhos. O resultado é um livro que tanto pode ser rotulado de autoajuda como de autoconhecimento, e que propõe a cada um que perceba o seu lugar no mundo e para onde quer ir.