Daniel Adrião: “A elite partidária vive numa bolha. Isso gera um sentimento de revolta”

Daniel Adrião, candidato a secretário-geral do PS, lamenta que exista “um exercício pouco transparente de nomeação de quadros partidários para altos cargos na administração pública, sem que se lhes conheça ou reconheça competências e mérito curricular para o exercício desse tipo de funções”

Na moção intitulada Democracia plena escreve que o PS funciona em circuito fechado. Os partidos tradicionais, nomeadamente o PS, estão cada vez mais distantes das pretensões e das expectativas do eleitorado?

Sim, infelizmente, essa é a realidade. Nem sequer é matéria de opinião,é matéria de facto. Os partidos tradicionais estão a perder atratividade e adesão. A militância nos partidos tradicionais tem vindo a sofrer um forte revés. O PS não há muito tempo tinha cerca de 120 militantes ativos, neste momento tem metade. Nestas eleições internas apenas 60 mil militantes têm capacidade eleitoral e como é óbvio nem todos irão votar. A verdade é que não são os cidadãos que se têm afastado dos partidos, são os partidos que se têm afastado dos cidadãos.

Os partidos tradicionais têm responsabilidades no aparecimento de projetos populistas como o Chega?

Os partidos tradicionais já não respondem aos anseios e expectativas de muitos cidadãos que não se reveem num sistema político-partidário fechado sobre si próprio e incapaz de criar canais de comunicação e mecanismo de interação eficazes nem com a sua base social de apoio nem com a sociedade civil. A elite partidária vive numa bolha, onde se cruzam relações pessoais, familiares e profissionais, gerando uma teia de cumplicidades e interesses, que estão muito distantes do interesse público e do bem comum.

Isso favorece os projetos populistas?

Claro que tudo isso gera um sentimento de indignação e revolta em muitos setores da população, que é aproveitado pelos movimentos populistas radicais, como é o caso do Chega, que se alimenta da frustração e da raiva das pessoas.

A abstenção tem aumentado e houve eleições em que mais de metade dos eleitores optou por não votar. Os partidos políticos estão pouco atentos a esta realidade?

A abstenção é um cancro que mina a democracia e que está a alastrar rapidamente. Portugal é hoje o campeão da abstenção na Europa e na OCDE [Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Económico] . Os deputados que se sentam hoje na Assembleia da República representam menos de 40% dos eleitores. Isto é um absurdo! É a prova cabal de que a nossa democracia está muito doente. Quando a maioria dos cidadãos deixa de acreditar e de participar na democracia é a própria sobrevivência
da democracia que está em perigo.

Quais são as soluções para que as pessoas participem mais na vida política?

As soluções passam por um ‘choque democrático’, que dê aos cidadãos a possibilidade de serem
eles e não os diretórios partidários a escolher os deputados. Precisamos de uma reforma profunda do sistema político que cumpra o que está estabelecido na Constituição da República e introduza os círculos uninominais, permitindo que os cidadãos possam eleger diretamente os seus representantes, ao invés de se limitarem a passar um ‘cheque em branco’ aos partidos.