Ai Weiwei em Portugal. Cortiça, mármore e ativismo pelos direitos humanos na maior exposição do artista chinês

A Cordoaria Nacional, em Belém, inaugura a maior exposição de sempre realizada pelo artista chinês Ai Weiwei. 

Ai Weiwei nasceu em 1957, em Pequim, e há décadas que tem trabalhado na área do documentário e artes visuais, sempre com uma postura crítica sobre a China em questões de direitos humanos, mas também em todos os lugares onde existem refugiados ou perseguidos por questões políticas. Desde 2020, reside numa propriedade rural em Montemor-o-Novo, no Alto Alentejo, com o seu filho de 11 anos e, mais recentemente, comprou a casa em Lisboa, na zona da Penha de França.

A exposição, fixada na Cordoaria Nacional em Belém, desde dia quatro de junho, ficará disponível até o dia 28 de novembro e intitula-se “Rapture”, em português rapto, êxtase ou limbo de transcendência. Dela fazem parte peças inéditas em cortiça e mármore portugueses que convivem com outras, icónicas, quase todas marcadas pelo seu forte ativismo pelos direitos humanos. 

Ao todo são 85 obras, resultantes da sensibilidade do artistas, onde convivem o gosto pelas coisas simples, como a natureza, os seu animais da herdade alentejana, e por outro lado “toda a tragédia humana expressa na sua obra plástica e audiovisual, onde estão patentes a indignação e a denúncia sobre a crise ambiental, a guerra, os refugiados, a censura, a perseguição política, o exílio, as restrições à liberdade e a pobreza no mundo”.

Ao falar do seu trabalho na conferência de imprensa da exposição, o artista explicou o que está por detrás destas criações: “O meu trabalho tornou-se relevante porque passei por imensas dificuldades. Mas continuo sempre a trabalhar com a minha consciência”. 

As obras de Ai Weiwei apresentadas nesta primeira exposição individual revelam o perfil do artista e ativista chinês, mundialmente reconhecido como um dos mais influentes, interventivos e criativos nomes da arte contemporânea, tendo sido eleito o artista mais popular do mundo pela publicação internacional The Art Newspaper, em 2020.

Logo à entrada da Cordoaria, os visitantes são recebidos por peça de grandes dimensões: uma cobra ondulante presente no teto do edifício que aponta para as duas alas onde se estende a exposição, constituída por instalações e esculturas em grande, média e pequena escala, e também por vídeos/filmes e fotografias.

A obra em questão, tem o nome de “Snake Ceiling", realizada com centenas de mochilas de crianças, em 2009, em memória aos estudantes mortos no terramoto de Sichuan, no ano anterior.

Da exposição, fazem também parte outras peças icónicas do artista como "Circle of Animals", de 2010, na qual Ai Weiwei revisita uma série de esculturas compostas por doze cabeças de animais do zodíaco chinês e que explora a relação da china contemporânea com a sua própria história, e "Law of the Journey (Prototype B)", de 2016, que consiste num barco insuflável de 16 metros de comprimento com figuras humanas e faz alusão a um dos temas mais recorrentes da sua obra, a crise global dos refugiados.

O curador da exposição e idealizador de uma série de grandes exposições do artista pela América Latina nos últimos anos, Marcello Dantas, explicou à agência Lusa que “depois do sucesso alcançado com a exposição do artista chinês no Brasil, acolhendo 10 mil visitantes por dia, em 2019, propôs a sua apresentação em Portugal”. 

"Para trazer este artista foi preciso desenhar um modelo muito específico de produção, devido à grande escala das obras", esclareceu o curador brasileiro, acrescentado que no Porto, “está prevista, para julho deste ano, a colocação de uma grande instalação nos jardins do Museu de Serralves, com uma dimensão de 34 metros e pesando 300 toneladas”.

Mas para além da exposição dar a conhecer algumas das peças mais importantes da carreira do artista e ativista chinês, revelará outras inéditas, criadas este ano em Portugal e concebidas em materiais característicos do país, nomeadamente cortiça, mármore e azulejo.

Uma delas intitulada "Pendant (Toilet paper)", feita em mármore maciço com 1,60 metros, representa um simples rolo de papel higiénico, e foi inspirada na corrida ao consumo deste produto durante a pandemia. "Esta procura desenfreada de papel higiénico representa a insegurança e desconfiança das pessoas no sistema em que vivem", explicou em declarações à agência Lusa.

Outra obra inédita, criada este ano, desta vez em cortiça, intitula-se "Brainless Figur" ("Figura sem cérebro"), e consiste numa escultura do próprio artista sentado numa cadeira, faltando-lhe a parte craniana que aloja o cérebro.

No que concerne ao audiovisual, ao longo do percurso expositivo, foram dispostos ecrãs que onde são exibidos documentários, incluindo um dos seus mais recentes filmes, "Coronation", que faz o retrato da evolução da pandemia covid-19 em Wuhan, na China. As imagens foram captadas por equipas profissionais e também cidadãos voluntários que ajudaram o artista no projeto. O documentário mostra como foi o confinamento da primeira cidade no mundo a ser atingida pela pandemia.

Também entre os seus trabalhos mais recentes estão os filmes "Human Flow", filmado em mais de 20 países, sobre a temática dos refugiados, e exibido em Veneza, em 2017 e "The Rest", de 2019, também ele sobre a crise dos migrantes.

"Rapture", explicou o curador, aponta para um duplo sentido, “o do imaginário do sonho e da mitologia, que o artista chinês usa inspirado na sua própria cultura e a do rapto em si mesmo, quando esteve detido, na China, pelo ativismo e trabalho artístico, crítico do sistema político do país”. Em 2011, esteve preso durante 81 dias, na China, sem acusação, apenas com alegações de crimes económicos, e, depois de libertado, passaram-se quatro anos até ser autorizado a sair do país.

A exposição "Ai Weiwei – Rapture" começa antes sequer do visitante entrar, com a instalação exterior da peça "Forever Bicycles", de 2015: uma escultura monumental com 960 bicicletas de aço inoxidável usadas como blocos de construção.