O clic do bolhão

Em vésperas de diretas e de novo congresso de entronização de António Costa como secretário-geral do PS, são cada mais evidentes os sinais de desgaste no Governo socialista e de agitação no interior do partido.

As aselhices, disparates e falhas graves de governantes sucedem-se umas atrás das outras, revelando cansaço, incapacidade e, sobretudo, descoordenação num Executivo que parece não ter um núcleo político capaz de respaldar o líder. Ainda para mais numa altura em que este acumula as funções internas com as exigências da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Já só faltam umas semanas, é certo. Mas as últimas que passaram revelaram-se fatais para vários governantes – e já não apenas de segunda linha, como o obrigatoriamente remodelável Eduardo Cabrita, mas inclusivamente todos os três ministros de Estado mais o presumível sucessor de Costa que é ministro das Infraestruturas.

Se houvesse ranking de apostas ou lista de governantes remodeláveis, já nem um escapava – ou talvez escapassem os que simplesmente não existem.

A ‘bolha’ prometida por Mariana Vieira da Silva para a final da Liga dos Campeões no Porto foi um flop monumental e uma mentira que hipotecou a credibilidade da ministra de Estado.

E a retirada de Portugal da green list do Reino Unido – caindo que nem enorme reservatório de água gelada sobre os operadores turísticos, sobretudo algarvios, logo quando começavam a ver os seus negócios finalmente a reanimar – mais crítica torna a posição não só da ministra que deu a cara pela ‘bolha’, como também de outro ministro de Estado e um dos poucos pesos pesados políticos do Executivo, Augusto Santos Silva, cujas movimentações diplomáticas manifestamente fracassaram na defesa dos legítimos interesses nacionais.

Com as consequências económicas devastadoras de norte a sul do país, com particular incidência no Algarve, atinge também por tabela mas de forma certeira o terceiro ministro de Estado e um dos coordenadores políticos do Governo, Pedro Siza Vieira. Que já apanhara também de ricochete, dessa vez por via do seu colega do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e do seu ‘ajudante’ João Galamba, com o desagregar do consórcio que deveria pôr em marcha o projeto bandeira ou megaprojeto do hidrogénio do PRR de António Costa e Silva e do Executivo de António Costa.

Ou seja, depois de todas as polémicas que envolveram ministros de segunda linha – como a do procurador europeu que desacreditou a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, ou a dos computadores não encomendados a tempo pelo responsável pela pasta da Educação, Brandão Rodrigues, ou a da requisição civil de um aldeamento turístico em Odemira para realojamento de trabalhadores imigrantes em quarentena ou isolamento profilático que mais uma vez revelou a debilidade do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, além de acrescentar à lista a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes –, estes novos ‘casos’ atingem o núcleo mais duro do Executivo.

Se o primeiro-ministro e líder do PS é avesso a remodelações, a verdade é que parece cada vez mais evidente que nem Siza Vieira foi capaz de substituir Mário Centeno como número dois da equipa governativa, nem a ausência de Vieira da Silva pai foi colmatada por Vieira da Silva filha.

E António Costa está cada vez mais exposto a um desgaste que soube muito bem evitar até há bem pouco tempo.

Aliás, é também sintomático que, em vésperas de diretas e de congresso no PS, a líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, tenha desferido públicas críticas a Pedro Nuno Santos (‘falta de bom senso’ e de ‘recato’), na sequência da troca de acusações entre o ministro das Infraestruturas e o CEO da Ryanair.

Sobretudo, porque Ana Catarina Mendes vai consolidando a sua posição na grelha da partida para a sucessão de António Costa na liderança do partido, ainda que com desvantagem interna em relação a Pedro Nuno Santos, mas já certamente com mais tropas do que Fernando Medina.

Não deixa é de ser um claro sinal dos tempos menos tranquilos por que passam as hostes socialistas.

Leia-se, por exemplo, a moção do adversário de Costa nestas eleições internas. Daniel Adrião não poupa nas acusações de falta de democracia interna e nas denúncias de nomeações de «quadros partidários para altos cargos da Administração Pública, sem que se lhes conheça ou reconheça competências ou mérito curricular para o exercício desse tipo de funções». Adrião representa uma fação esmagadoramente minoritária no PS. Mas é socialista e, presume-se, lá saberá do que está a falar.

É a hora de António Costa começar a arrepiar caminho e a garantir mais coordenação, bem como a elevar o grau de exigência tanto no Governo como no partido. De outro modo, arrisca-se a entrar numa linha descendente sem retorno.

E o ‘bolhão’ do Porto pode ficar como o clic ou o início da viragem do ciclo político liderado por António Costa.