Covid-19. Subida de casos por controlar

A par do Reino Unido, Portugal e Irlanda são os únicos países europeus onde as infeções estão a aumentar. Situação em Lisboa não está controlada e alastra à área metropolitana. A Norte, Braga é o principal foco. Peritos consideram prematuro falar de 4ª vaga, mas está a ser difícil conter.

O Reino Unido largou a bomba esta semana, tirando Portugal da lista verde para turismo, mas os indicadores epidemiológicos não dão ainda sinais de controlo do aumento de casos que começou a verificar-se há cerca de um mês. Com a incidência relativamente baixa, a maioria dos idosos vacinados e 20% da população adulta com a vacinação completa, os especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL admitem maior confiança de que seja possível inverter a situação e consideram ser cedo para se pensar que se está diante de uma quarta vaga, que acontecer a esta altura se traduziria também numa menor pressão sobre os hospitais.

No entanto, há alguns sinais de alerta: o aumento de casos no concelho de Lisboa alastrou à área metropolitana (Loures, Almada, Cascais, Seixal, Amadora, Odivelas e Oeiras, embora abaixo do limiar dos 120 casos por 100 mil habitantes, estão com aumento de casos, sendo concelhos muito populosos) e a subida não dá ainda sinais de estar contida. O RT na região de Lisboa é o mais elevado do país, segundo o relatório ontem divulgado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge de 1,16, mantendo-se uma tendência de aumento de casos (RT superior a 1) desde 9 de maio. Na região Norte, os casos também já voltaram a subir e o aumento acelerou esta semana, com foco sobretudo na zona de Braga, o que começa a coincidir temporalmente com os festejos da Taça de Portugal. O RT está acima de 1 no Norte desde 18 de maio.

O Governo anunciou esta semana duas novas etapas de desconfinamento, com a restauração a passar a fechar à meia-noite a partir de 14 de junho. Tanto Lisboa como Braga, com mais de 120 casos por 100 mil habitantes e tendência de aumento, preparam-se para chumbar na avaliação da próxima semana e manter as atuais limitações de horário (fecho às 22h30), não avançando no desconfinamento, mas com as novas regras significa que se mantêm como estão, o que por si só pode não levar a uma descida de casos. Outras duas notas de preocupação são um ligeiro aumento de hospitalizações, nomeadamente na grande Lisboa e de pessoas mais jovens, que contudo em termos gerais colocam menos pressão sobre o sistema hospitalar; depois, a variante indiana, que no Reino Unido tem sido associada a um aumento de casos mesmo com 40% da população adulta completamente vacinada e que segundo os investigadores do Imperial College é até 60% mais transmissível do que a variante inglesa – e cujos primeiros estudos mostram uma menor eficácia das vacinas.  Em Portugal, mantém um peso na casa dos 5% dos casos mas já estará com transmissão comunitária (sem ser em clusters familiares) e em Inglaterra tornou-se dominante.

Além do Reino Unido, onde o aumento de casos está a ser associado a esta nova variante,  segundo o último relatório semanal do Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças, Irlanda e Portugal são os únicos países europeus onde se regista agora um aumento da incidência de novos casos, acompanhado de aumento da positividade e em contraciclo com os restantes países. E Portugal, que durante semanas foi dos países com menor RT, está agora entre os que surgem do lado menos auspicioso da matriz de risco, apenas com um RT inferior ao do Reino Unido e Lichentenstein.

Óscar Felgueiras, matemático responsável pela modelação da epidemia na ARS do Norte e um dos autores da proposta de plano de desconfinamento, considera prematuro falar de uma quarta vaga, mas alerta que a subida de casos não está controlada e que, incindindo agora em concelhos mais populosos, é mais difícil de travar. Hoje, aliás, por ter sido feriado na quinta-feira, o que atrasou notificações e levou a que ontem saísse um número artificialmente baixo de novos diagnósticos, o país poderá voltar a ter um dia com perto de mil casos no boletim da DGS. «Existe um aumento sustentado de casos a nível nacional que dura há cerca de um mês, mas é prematuro dizer se é uma quarta vaga», diz ao Nascer do SOL o investigador, sublinhando que no imediato a maior preocupação prende-se com a zona da grande Lisboa, onde não se nota ainda um recuo significativo da transmissão, e, no Norte, Braga e arredores. Para o professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, o que está planeado para as próximas semanas mantém-se adequado à situação epidemiológica, devendo haver especial atenção com grandes ajuntamentos.

O reforço da testagem como forma de conter cadeias de transmissão é o caminho apontado, mas até que ponto será suficiente se a transmissão não começar a recuar é a incógnita. Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, considera que o país está, em termos de testagem, melhor do que estava há um ano. «Tenho esperança que isto não dê origem a uma vaga e acho que não vamos ter uma quarta vaga. Podemos subir um pouco mais a incidência, ultrapassar os mil casos por dia, mas não terá um reflexo nos hospitais como tivemos no ano passado», diz, adiantando que se verifica um aumento dos internamentos em enfermaria, mas causado sobretudo por pessoas na faixa etária dos 30 aos 49 anos, que no caso de Lisboa levou à duplicação de internamentos no espaço de 10 dias, de 55 para 110 doentes. «São internamentos menos prolongados e pessoas que em princípio recuperam. Parece-me que desta vez houve consciência do perigo e incrementou-se a testagem. Ao contrário do que aconteceu em 2020, quando também tínhamos incidências baixas, testou-se mais. Estamos com uma testagem média acima de 40 mil testes por dia. No ano passado, a entrar no verão, estávamos na zona dos 15 mil testes por dia. Tivemos uma quebra em abril mas recuperámos. Isto é fundamental porque permite que tenhamos uma positividade baixa: embora os ingleses digam que duplicou, estamos abaixo do recomendado, que é os 4%. É verdade que duplicou, mas anda na casa dos 2%». O investigador admite no entanto que no caso de Lisboa, se não houver um recuo na transmissão, só a testagem pode não ser suficiente para controlo de casos e aí, as novas regras, que no pior cenário levarão a que concelhos com mais de 240 casos por 100 mil habitantes por duas semanas voltem a ter restrições de horários ao fim de semana, com fecho às 15h30, podem não alterar muito as condições de maior socialização que favorecem a transmissão. Carmo Gomes acredita que neste momento a situação pode ainda considerar-se controlada… mas a querer fugir ao controlo. «Mantendo o esforço de testagem, acredito que mais tarde ou mais cedo vamos conseguir o controlo, a questão é que surge numa altura em que a imagem do país é importante».

As infeções têm estado a aumentar sobretudo na faixa etária dos 20 aos 39, que ainda não está vacinada, e que a esta altura continuar a alimentar a epidemia. «O que me preocupa não é tanto a situação como ela está, o que me tem preocupado são os pedidos que têm sido feitos para o relaxamento das linhas vermelhas. Atualmente colocamos a linha vermelha nos 240 casos por 100 mil habitantes a 14 dias, o que significa que a nível nacional estamos dispostos a ir até aos 1700 casos por dia. Até onde se iria? Dizem que querem alterar, mas não se propõe para onde. Iríamos até ao dobro, aos 3 mil casos por dia, 480 casos por 100 mil habitantes? É preciso ter em conta o impacto que isso tem em termos de absentismo, em termos de sequelas e em termos também da imagem do país. Aqui já não falo como epidemiologista, mas o turismo de qualidade nesta altura está preocupado com a segurança», alerta.