Um tabu maior do que sexo

Aquilo a que se assiste todos os dias é o Estado a avançar, a intervir, a substituir-se às famílias, às comunidades, a desresponsabilizar as pessoas, e, de caminho, neste caso concreto, a proteger a indústria do táxi, claramente em declínio desde o aparecimento das plataformas digitais. No papel verde dizia que era gratuito, mas quanto…

Hoje vou escrever sobre coisas controversas, polémicas, sobre coisas que não é para dizer, menos ainda escrever, mexer num vespeiro, ou seja, hoje é sobre um tabu maior do que sexo.

Nestes dias de pandemia, meteram-me na caixa do correio um papel verde da Câmara, escrito em letras garrafais, a dizer que aos cidadãos maiores de 80 anos que quisessem ser vacinados contra a covid-19, bastava ligar para um certo número de telefone e tinham um táxi à porta, sendo o serviço gratuito.

Uns tempos antes, tinha recorrido aos serviços camarários para retirar uns sofás velhos apodrecidos de um anexo no fundo do quintal, tendo feito apenas uma chamada telefónica. Os monos foram retirados e eu não paguei pelo serviço.

Esta é a altura em que o leitor se começa a torcer na cadeira e a perguntar se, por acaso, eu não acho bem que vão buscar os idosos a casa para os levar à vacina e depois devolvidos à pacatez do lar. E é aqui que eu tenho de dizer que discordo (eu já tinha avisado que hoje era mexer num vespeiro) porque a responsabilidade pelos idosos é das respetivas famílias. A célula da sociedade é o indivíduo (que constitui uma família, ou não, consoante a sua vontade) e a comunidade. Não é o Estado. Ou seja, do mesmo modo que as famílias levam as suas crianças às vacinas, também têm de levar os seus idosos à vacina, mas isso não acontecer, que sejam os seus vizinhos, os seus amigos, os colegas do banco de jardim, os companheiros da universidade sénior, os membros da igreja ou da coletividade que frequentar a organizarem-se para os levar. Se tudo isto falhar, então o Estado deve avançar e assegurar que nenhum idoso fica por vacinar.

Aquilo a que se assiste todos os dias é o Estado a avançar, a intervir, a substituir-se às famílias, às comunidades, a desresponsabilizar as pessoas, e, de caminho, neste caso concreto, a proteger a indústria do táxi, claramente em declínio desde o aparecimento das plataformas digitais. No papel verde dizia que era gratuito, mas quanto custa à câmara?

Já no que toca aos monos, envolve quantas dezenas de funcionários públicos? Quantos veículos e sua manutenção? Quantos funcionários públicos com funções administrativas estão afetos ao serviço? Eu não paguei, mas quanto é que custará este serviço à câmara?

Conforme eu escrevi no último artigo, hoje trataríamos da continuação do tema da convenção MEL (Movimento Europa e Liberdade). Era sobre esses dois exemplos que eu pensava enquanto assistia à convenção do MEL. Muitos dos oradores discursavam muito teoricamente sobre as diferenças entre a direita e a esquerda, sempre em tese e sempre numa lógica de poder central/eleições legislativas. Todavia, o território está organizado em 308 municípios, na esmagadora maioria presididos pelo PS e pelo PSD e, verdade seja dita, os cidadãos não veem grandes diferenças programáticas entre eles.

Quando há dinheiro, há rotundas, piscinas e táxis, quando não há nem varrem as ruas. A lógica tem sido a de fazer dívida e mais dívida e quem vier a seguir que pague as contas. Se conseguir.

Mas aquilo que eu gostava mesmo de discutir é se, numa altura de pandemia, deve uma autarquia disponibilizar táxis gratuitos para maiores de 80 anos, e se deve ir a casa de cada um buscar o lixo ao fundo do quintal. Ou dito de outro modo, duas coisas: até onde deve o Estado ir; e que Estado conseguimos pagar.

Porque no dia em que discutirmos estas coisas a sério e as defendermos em programas autárquicos alternativos, estaremos a dizer que defendemos um modelo de sociedade alternativo. Uma sociedade em que o Estado não é o pai, na versão benigna. Ou um monstro voraz, na versão maligna.