Costa, o líder dos ministros em xeque

Bolha furada, expulsão da ‘green list’ e o braço de ferro com a Ryanair. A semana revelou-se espinhosa para o Governo de António Costa, com críticas em várias frentes.   

A um mês do congresso do PS, António Costa prepara-se para ser reeleito secretário-geral, mas no Governo as águas andam turbulentas, com críticas de fora, mas também internas. 

E os temas vão-se se somando. Da bolha furada no Porto – com críticas a Mariana Vieira da Silva, que assegurou que o evento seria controlado, e ao Ministério da Administração Interna, que negou interferências na atuação da polícia – ao braço de ferro de Pedro Nuno Santos com a Ryanair, que levou Ana Catarina Mendes a recomendar, no microfone da Circulatura do Quadrado, mais «ponderação», «recato» e «sensatez» ao ministro das Infraestruturas e da Habitação, a semana já estava a ser espinhosa ainda antes da expulsão do corredor verde inglês –que também colocou Augusto Santos Silva na mira da Oposição.

Até Pinto da Costa veio à liça, intitulando o Governo de «coveiro do desporto português» e pedindo a demissão dos responsáveis da Direção Geral da Saúde (DGS) ou do chefe do Governo: «Sr. Primeiro-Ministro: obviamente demita-os, e se não é capaz demita-se o senhor». Mas, afinal, quem sai mais fragilizado?

‘Lamentável, censurável e inqualificável’, diz Mendes

Em declarações ao Nascer do SOL, Marques Mendes considera que o que se passou no Porto no último fim de semana foi «lamentável, censurável e inqualificável», deixando claro não haver  «perdão possível». 

A «grande culpa» coloca-a no «Governo e na DGS». O comentador e conselheiro de Estado dá razão a Pinto da Costa, ressalvando contudo poder-se «discordar das suas palavras mais agressivas». Certo é que Marques Mendes acredita que, a par dos festejos do Sporting, também o que se passou no Porto nos dias anteriores e no próprio dia da final da Champions «fragiliza o Governo e retira-lhe autoridade». 

Estas palavras são partilhadas, ipsis verbis, pelo líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, que já esta quinta-feira classificou a decisão britânica como um «par de patins» calçado ao Governo português depois de abrir o país aos adeptos ingleses. 

Ao Nascer do SOL, Francisco Rodrigues dos Santos também considera que a «falta de planeamento», as «incoerências» e a «dualidade de critérios» observados na Final da Champions em relação, por exemplo, ao que se passou na final da Taça de Portugal (em Coimbra, sem público) «retiram autoridade ao Governo e minam a confiança sobre ele». Para o líder do CDS, Pinto da Costa foi «mais uma voz a alinhar-se a um coro que pede a saída de ministros incompetentes», não tendo, todavia, esperança de que o ministro da Administração Interna (MAI) seja substituído, pois «António Costa prefere proteger os seus amigos do que dar bons governantes». 

Ónus esse que, segundo declarações de Eduardo Barroco de Melo – deputado socialista – ao Nascer do SOL, não lhe deve ser atribuído, já que prefere chutar a bola das responsabilidades para a Câmara do Porto (CMP): «As maiores dificuldades que se viram na Final da Champions não eram da dependência do Governo, mas sim da CMP e, por isso, a responsabilidade do que aconteceu deve ser atribuída a esta e não ao Governo». 

Questionado sobre uma eventual fragilização do Governo consequente disto e das palavras de Pinto da Costa, o socialista afirma que tal «não está em causa», pois «o que fragiliza ou não o Governo é o apoio popular que tem em cada momento» e, não sentindo «haver clamor social por causa dessas questões», tal cenário parece-lhe falso. Eduardo Barroco de Melo reforça a solidez do Governo enveredando na defesa do ministro da Administração Interna, ressalvando que, tal como qualquer outro MAI, «é normal ser alvo de críticas e ter bastante desgaste, o que não significa incompetência».

Expulsão da ‘green list’ gera coro de críticas… a Londres

Em relação à remoção de Portugal da ‘green list’ do turismo britânico, o deputado socialista explica que, «havendo algum Governo a julgar no meio disto, não é o português». Eduardo Barroco de Melo considera que a decisão dos britânicos «não é justificada por qualquer base científica», sendo, por isso, alicerçada sobre «razões políticas» das quais «não há conhecimento público». Admitindo uma hipotética «vontade de tomar uma decisão concreta que afetasse Portugal», o deputado afirma que a decisão é tida como incompreensível tanto em Lisboa como em Londres.

Aqui, sintonia: também Marques Mendes vê esta decisão como sendo «injusta». Questionado sobre os seus efeitos numa eventual fragilização ao Governo, o antigo líder do PSD afirma que o principal fragilizado é o país, pois «afeta o turismo – e o turismo para nós é essencial». Não obstante, ressalva: «Qualquer coisa que corre mal no país tem efeitos no Governo». 

Governo desgastado é igual a António Costa fragilizado?

Interrogado sobre se o desgaste de alguns ministros de Costa poderão traduzir-se no próprio desgaste do líder, Rodrigues dos Santos afirma que, «permitindo as fragilidades de quem lhe é próximo», António Costa «acaba por intoxicar todo o corpo por si comandado». 

Vai mais longe e, culpabilizando a alegada inércia do primeiro-ministro «perante este caudal de episódios», admite que em última instância a responsabilidade recairá sobre si, abrindo portas a um pedido de demissão: «Se António Costa não tomar decisões e não substituir determinados membros do Governo então terá mesmo que ser ele a dar cara por estes fracassos e é a ele que devemos pedir que saia». 

Marques Mendes concorda com a visão de que o desgaste de alguns ministros está, consequentemente, a desgastar Costa. Segue explicando que ministros desgastados fragilizam o primeiro-ministro «porque o obrigam a ir a jogo – e ter que dar a cara, evidentemente, fragiliza-o». Não obstante, considera que o primeiro-ministro está muito acima dos outros: «É eminentemente Costa e mais 16 ou 17».

Sobre uma remodelação do Governo no horizonte, Marques Mendes explica que António Costa irá fazê-la, «mas só depois das autárquicas». 

Já Barroco de Melo não acredita na iminência ou razões para uma remodelação, ressalvando, contudo, que «devido ao desgaste da pandemia possa haver governantes sobrecarregados, tal como aconteceu noutros países». Quanto à condição de Costa, o deputado socialista é perentório: «Não o considero fragilizado, e sei que os portugueses também não – ele tem sido o adulto na sala».

Ana Catarina Mendes e Pedro Nuno Santos: PS às ‘turras’?

Apesar de Marques Mendes e Sérgio Sousa Pinto rejeitarem comentar o recado de Ana Catarina Mendes a Pedro Nuno Santos, Barroco de Melo aceita e desvaloriza. Questionado sobre se os comentários da líder parlamentar demonstram solidez dentro do Partido Socialista ou fragilidade dentro do Governo, o deputado rejeita prontamente a segunda hipótese e explica não ser a primeira vez que «Ana Catarina Mendes faz críticas a um ministro», não sendo, por isso, também novidade que «haja críticas internas dentro do PS». 

Contudo, Barroco de Melo demarca-se da sua líder parlamentar, afirmando ter «um entendimento diferente» das críticas que esta teceu ao ministro das Infraestruturas e da Habitação. 

O deputado nega que Pedro Nuno Santos encabece uma ala divergente da de António Costa e defende a unidade do partido, explicando que, «tirando o Daniel Adrião» – que é o único opositor de António Costa nas diretas da próxima semana, candidatando-se pela terceira vez a secretário-geral do partido – todos estão «ao lado de António Costa – Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos ou qualquer outra pessoa».