Uma pré-história enevoada de Portugal

Capítulo 2 – A transição do mesolítico para o neolítico 

por Roberto Knight Cavaleiro

O ano 2.700 AC pode ser considerado uma viragem na história social dos nossos antepassados ​​no território hoje conhecido como Portugal continental. Antes dessa data, os sucessores dos Neandertais haviam progredido de forma fragmentada para aumentar as suas populações, consolidando famílias em grupos que levariam à formação de tribos. Nos distritos do norte e centro dominaram os Lusitanos, Túrdulos e os Oestríminis enquanto que no Alentejo e Algarve os Cinetes dominaram. Nenhum deles fez registos escritos, por isso a nossa única informação foi obtida pelas escavações arqueológicas dos seus assentamentos localizados geralmente no topo de colinas perto de riachos e terras planas adequadas para pastagem e cultivo que gradualmente substituíram a existência do caçador / coletor nómada.

A análise do radiocarbono e dos isótopos estáveis ​​retirados dos esqueletos daquele período sugeriram uma mudança marcante da dieta mesolítica de componentes amplamente marinhos, como várias espécies de peixes e moluscos (suplementados por animais caçados e plantas selvagens) para uma subsistência mais terrestre de fontes vegetais e fauna semi-domesticada.

Este período calcolítico pode ser melhor ilustrado olhando para a notável história de Castro Vila Nova de São Pedro, na Azambuja, que ocupa um pequeno sítio no topo de uma colina perto da confluência dos rios Alcoentre, Carrascal e Massuca. Aqui, um assentamento pode ser datado do início do terceiro milénio, quando os primeiros habitantes começaram a construção de fortificações de terraplenagem usando um antigo dólmen como ponto focal. Ao plano básico foram adicionadas paredes de pedra calcária e possivelmente uma paliçada de madeira dentro da qual foram construídas habitações redondas de um único espaço com telhados cônicos e armazéns retangulares. Este povoado foi ocupado esporadicamente por cerca de quinhentos anos até que a chegada do “povo Beaker” trouxe inovações como a construção de um forno com pátio pavimentado contíguo e cisterna; um arsenal repleto de pontas de flechas, machados e adagas; um celeiro e acrescentos complexos às fortificações, que eram aumentadas e revestidas com argila cozida e possivelmente encimadas por plataformas ou torres de madeira. Fora das fortificações, uma colcha de retalhos de campos foi trabalhada para cultivar trigo, milho e vegetais, enquanto paliçadas cercavam as terras para o pasto de animais recém-domesticados. Numa necrópole, a prática mesolítica  de sepulto comunitário foi abandonada a favor de sepulturas individuais ou familiares, às vezes contendo utensílios ou armas e há algumas indicações da cremação também ser empregada.

O povoamento de Castro V.N. de S. Pedro continuou por cerca de mil anos sendo reconstruída pelo menos cinco vezes para aumentar o seu tamanho e importância até á chegada da tecnologia da Idade do Bronze por volta de 1800 AC, que causou o seu declínio gradual.

As cerâmicas encontradas neste local variam desde os primeiros estilos indígenas de cerâmica laranja e cinza, incluindo copos e pratos decorados com o que parecem ser símbolos astronómicos, até aos recipientes em forma de sino do povo do Beaker que foram usados ​​para muitos fins, incluindo a fundição primitiva de minério para produzirem cobre e outros metais macios, como estanho, prata e ouro.

O termo “povo” em relação à cultura Beaker talvez seja enganadora devido à falta de qualquer evidência real da sua origem. A teoria  do século XX era que as inovações resultavam da imigração por mar de tribos do Norte da África que estabeleceram enclaves em vários pontos ao longo da costa ibérica. Essa tecnologia avançada espalhou-se para o norte ao longo das costas atlânticas de França (Bordéus e Bretanha) e das Ilhas Britânicas (Cornualha, País de Gales e sul da Irlanda). Em seguida, viajou para o leste usando as grandes vias navegáveis ​​europeias, como o Ródano e o Danúbio, para chegar ao interior até á Polónia, de onde um comércio recíproco trazia mercadorias para o oeste. Mas, mais recentemente, a teoria dos "potes antes das pessoas" postula que a cultura do Beaker resultou de uma difusão de conhecimento entre uma elite que emergiu da estrutura tribal indígena de uma forma semelhante à dos guerreiros Samurais do Japão e dos sacerdotes Levi do antigo Israel.

O que pode ser aceite é que este período calcolítico viu os primeiros passos para a formação de um sistema socioeconómico que serviria ao estado dinâmico que seria formado pelo movimento interno de pessoas durante o primeiro milénio AC. Vamos examinar isso no Capítulo 3 – Comerciantes, Saqueadores e Invasores.

Vista aérea de V.N.S.P com cerâmicas encontradas

 

Construções em V.N.S.P

 

Vaso da cultura Bell Beaker