Alguém que lhes diga

Vimos um Venturinha muito fofo e bem-comportado a rezar em Fátima. Que bebé fofo! 

Entre as várias distrações desta semana, houve uma que me chamou especialmente a atenção: vimos um Venturinha muito fofo e bem-comportado a rezar em Fátima. Que bebé fofo! Cheio de paz e amor para distribuir a todos. Só apetece abraçar!

As câmaras de facto não o largam. O santo Homem só quer estar sozinho e rezar em paz, e vocês sempre a fotografá-lo! Ele, claro, como humilde e amoroso homem que é, vê-se na necessidade de partilhar as fotografias de forma a promover o trabalho destes jovens fotógrafos. Podem, por favor, deixar o nosso santo salvador ter um momento espiritual sem que o chateiem? Ele também tem sentimentos, OK? Deixem-no estar à vontade para suplicar a Deus que salve as criancinhas que morrem no mediterrâneo!

Desta vez, como bom Cristão que é – porque o Cristianismo ensina os valores da partilha e da amizade (e o nosso santo sabe-o) –, decidiu levar um amigo a Fátima: o Mateus. Mas atenção, não confundam! Não é o Mateus bíblico que diz «mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita» – que muitos infiéis atiram à cara do nosso santo quando este partilha fotografias a rezar por nós. Este Mateus é outro – tão santo como esse. É italiano e, tal como o André, também tem um coração muito grande e é muito boa pessoa. Juntos, diz-se, rezaram de mãos dadas em uníssono para acabar com o drama do mediterrâneo e o marxismo cultural. Se Deus ao menos os ouvisse e trouxesse luz àqueles boçais securitários que preferem ter uma eUrOpA dE vAlOrEs a salvar vidas e respeitar o próximo. 

É que esses boçais securitários que defendem uma eUrOpA dE vAlOrEs certamente ignoram que se há algo que sempre caracterizou a cultura europeia foi a sua constante metamorfose. Desde os gregos, aos romanos, aos cristãos, até ao período do Iluminismo e à formação da Europa das Nações. O que a caracteriza a Europa não é ser branca, cristã, liberal ou woke: o que a caracteriza é a sua constante rotura de si mesma – sendo esta constante mudança, paradoxalmente, a maneira como continua fiel a si. A meu ver, esta última grande rotura deu-se no Maio de 68. Este trouxe-nos uma Europa mais livre, mais descontraída com o seu próprio conceito e, sobretudo, mais diferente. Lugar-comum? Não, Derrida: «Uma Europa diferente de si mesma». A Europa pós-moderna largou a ideia de que partilha uma ‘universalidade física e moral’ – vulgo Branca, Hetero e Cristã – e adotou a ideia de que partilha uma ‘universalidade de singulares’. Ou seja, a única coisa que partilhamos é a diferença entre cada um dos nossos universos. E a Europa, como nenhum outro continente, distingue-se por viver pacificamente neste espírito. Não só vive como adota políticas que o protegem. E esta sim, senhoras e senhores, é a minha Europa de Valores – aquela em que cada um consegue atingir o seu último ser pois há respeito pelas diferenças inerentes ao universo que cada singularidade inclui.

A eUrOpA dOs VaLoReS cRiStÃoS não é uma Europa que diaboliza os homossexuais ou que deixa morrer crianças no mediterrâneo. A eUrOpA dOs VaLoReS cRiStÃoS não é uma Europa que identifica etnias como sendo párias ou que manda gente «para a sua terra». A Europa dos valores Cristãos – porque é, foi e será sempre Cristã – é aquela que vive em paz com a universalidade de singularidades presente no seu continente. E é precisamente neste respeito entre singularidades que o osso mais profundo de Europa se revela absolutamente Cristão, pois manifesta que o dever bíblico de «amar o próximo» está entranhado até a medula dos Europeus.

Este respeito pela individualidade é hoje o maior valor da Europa – e, por isso, a Europa nunca foi tão Cristã. O Cristianismo é amor e compreensão. Não muros e ódio. Alguém que lhes diga.

Porto, 3 de junho de 2021