Melhores dias virão…

Feita a festa, os britânicos passaram a ter pruridos e acabaram de retirar Portugal do ‘corredor verde’ e lá se vão as reservas para o verão… 

1. Sempre ouvi dizer que o futebol e a paixão toldam o discernimento. Quando ambos se juntam, o descalabro pode ser total. Mas sempre supus que aqueles que terão responsabilidades governativas tivessem o discernimento de guardar o distanciamento. Pura ilusão minha!

O futebol mexe com multidões e mexe com paixões. Os (legítimos) festejos do Sporting repetindo sucessos de outros clubes noutros anos e a final da Champions em Portugal (entre equipas inglesas) demonstram como tudo se pode permitir num país em que, ao invés, até para se ir à praia no Verão precisaremos de usar máscara, só a podendo retirar em circunstâncias especiais.

Estamos em ano de autárquicas e vamos vendo obras por toda a parte em múltiplos concelhos deste país. Aquilo que não foi feito em três anos, vai agora sendo feito para causar o maior impacto possível, certamente com inaugurações solenes com pompa e circunstância. Se membros do Governo dão o exemplo em inaugurações tão importantes como a de uma vedação em Lagoa ou de um parque de bicicletas numa estação de metro, porque não irão os autarcas fazer o mesmo, tendo como pretexto qualquer rotunda ou chafariz?

Assim, com as autárquicas por pano de fundo, cada vez mais me convenço que no caso dos festejos do Sporting em Lisboa, a Câmara Municipal (Fernando Medina?) não ousou contrariar, com receio dos impactos nas eleições (até li e não vi desmentido que uma carta da PSP sobre o tema e enviada por mail, ficou perdida no Município sem qualquer resposta). Entretanto, tal como em 2020 em Lisboa, este ano o Porto acolheu pressurosamente a final da Champions entre equipas inglesas que, ao que me garantem, não foi aprovada pelo Governo britânico por implicar a presença de público.

Mas nós, aqui em Portugal, não ligamos a esses detalhes, desde que meta estrangeiros. Uma final de uma Taça de Portugal, uma semana antes, não pôde ter público e numa final do campeonato de rugby nem 500 espetadores foram autorizados. Mas no Dragão terão estado 14.500, a maioria ingleses e todos muito bem comportados como vimos nas imagens, com cerveja a rodos, alegres e contentes, abraços em profusão. Só ninguém vislumbrou a ‘bolha’ em que vieram mas que certamente existiu, dadas as garantias governamentais anunciadas e repetidas depois do evento.

Razões para tanta festa autorizada e propagandeada? Económicas, com as autárquicas como pano de fundo, tantas as vezes que Rui Moreira se mostrou. Os comerciantes e hoteleiros locais ficaram contentes e isso, no imediato é que conta. 

Feita a festa, os britânicos – sim, esses mesmos que vieram para aqui celebrar a Champions sem quaisquer receios sobre a covid – passaram a ter pruridos e com umas alegações de variantes possíveis do vírus, acabaram de retirar Portugal do ‘corredor verde’ e lá se vão as reservas para o verão com as restrições de quarentena obrigatória agora impostas.

Moral da estória: quem tudo quer, tudo perde! Quanto a culpas, como habitualmente em Portugal, ficamos assim, a assobiar para o lado porque, de certeza, melhores dias virão.

2. A propósito de melhores dias virão, soube que no Economic Outlook publicado há dias em Bruxelas, a OCDE previu o crescimento do PIB em 3,7% para 2021 e 4,9% em 2022. Décima para cá ou para lá face a outras projeções, o essencial vem a seguir:

Primeiro uns alertas: (i) o controlo da pandemia será crucial, sobretudo para o setor do turismo (entretanto a levar mais uma ‘cacetada’ como vimos acima), (ii) a gestão das moratórias pode ser preocupante (segundo o B. Portugal, cerca de Eur 39,3 MM entre famílias e empresas), (iii) a existência de garantias dadas por administrações públicas a empréstimos – Eur 7,16 MM, qual cutelo em cima da dívida pública e, a única evidência que todos une, (iv) o PRR será fundamental para Portugal.

Finalmente, umas críticas sobre a necessidade de reformas estruturais, dando como exemplos a necessidade de «reduzir barreiras à entrada nas diversas atividades económicas e melhorar as condições de concorrência» – concretizando até «nos transportes». Para além de defender «reformas na Administração pública, promovendo o governo digital ou melhorar a eficácia da justiça», acrescenta o óbvio: «Há que gerir as finanças públicas com prudência, dada a elevada dívida pública do país». Oh, surpresa!!!

Nada disto é surpresa. Relembro que já em 2018, o então diretor do FMI para a União Europeia, Jeffrey Franks, sustentou que deveríamos aumentar a produtividade e apostar em reformas estruturais para níveis de crescimento económico superiores à média da Zona Euro. Discurso de ontem e de hoje, pelo que pergunto se o que devia ser um desígnio nacional terá de ser apenas uma utopia? 

Algo eu sei: é muito cansativo ouvir estes discursos de forma repetitiva ao longo dos anos e sentir que, nas entrelinhas, existe internacionalmente um ceticismo sobre a capacidade (ou vontade?) governativa de proceder a reformas estruturais, tantas as mensagens sucessivamente transmitidas. 

De tudo isto, sobra uma mensagem positiva: será o PRR a ‘chave de todos os nossos problemas’! Mas será mesmo assim, quando, ao contrário de outros países como a Grécia ou Espanha, não se aposta suficientemente na economia privada como motor indutor do desenvolvimento do país?

Será que realmente melhores dias virão, para os nossos filhos e netos?