Uma questão de ‘mochilas’…

Com uma irreprimível vocação para se substituir à oposição, Pedro Nuno Santos deu consigo a criticar o Estado-patrão, por não cumprir as suas obrigações para com a CP…

É possível pedir ‘bom senso’ e ‘sensatez’ a quem um dia prometeu por os banqueiros alemães de pernas tremidas, com a ameaça de Portugal não pagar a dívida, assegurando, resoluto, que «estou marimbando-me que nos chamem irresponsáveis»?

Quem o disse era, à época, ‘maior e vacinado’, e já respondia como vice-presidente da bancada parlamentar do PS. Foi em finais de 2011, num discurso inflamado em Castelo de Paiva, que Pedro Nuno Santos explicou, sem rodeios – e sem ser ainda candidato à liderança socialista –, que «nós temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses. Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida».
Passou uma década e se os humores de Pedro Nuno Santos, enquanto deputado, já se manifestavam com tal contundência, não admira que, hoje ministro, e com aspirações a substituir António Costa, deixe vir à superfície a sua veia incontinente. 

Foi o caso do ‘bate boca’ com a Ryanair, a companhia aérea irlandesa de low cost, cujo CEO se ‘atravessou’ no caminho do ministro – este, no papel de ‘chairman’ informal da TAP –, irritando-o com as suas críticas à subsidiação do descalabro da companhia ‘de bandeira’. 

A ironia é que tenha sido Ana Catarina Mendes, agora líder da bancada socialista, a recomendar «recato» ao colega governante, para que não reaja «de forma mais truculenta», pois não resolve «problema nenhum, antes pelo contrário».

Teve razão ao dizê-lo. Mas não adianta. O ministro das Infraestruturas conseguiu, com o apoio de António Costa, reverter a privatização e devolver a TAP ao setor público, para alegria dos anteriores acionistas e desgraça dos contribuintes indefesos. 

O certo é que a TAP, com défices crónicos acumulados ao longo de vários anos, sempre a prometer lucros que nunca chegaram, viu agravados os prejuízos com a pandemia. Mesmo assim, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou insuficientemente explicadas as ajudas do Estado autorizadas por Bruxelas.
E com isso validou a queixa da Ryanair, envolvendo a TAP e outras companhias europeias, por alegada distorção na concorrência. Tanto bastou para que Pedro Nuno Santos resolvesse polemizar com o CEO da low cost, o irlandês Michael O’Leary, que ‘falou grosso’, disparando que gastar 3 mil milhões com a TAP seria o mesmo que «mandar ainda mais dinheiro pela sanita abaixo».

A imagem não prima pela elegância, mas ensina o ministro, com a tutela de uma companhia há muito falida, a não ir a despique com quem sabe mais de aviação do que ele. E não usa de ‘meias tintas’.

Em abono da verdade, se a TAP tivesse fechado para dar lugar a outra companhia, redimensionada, como fez o governo suíço com a Swissair, em 2001, a Fazenda teria sido bastante poupada. 
Assim, depois da sangria da Banca, pública e privada, que ainda não acabou, segue-se a TAP, que, apesar de ser quase uma low cost em serviço a bordo, tem custos incomportáveis.

Trata-se de uma ‘guerra’ perdida como outras que estão a minar a economia do país, e que os dinheiros da ‘bazuca’ servirão apenas de ilusório alívio, até ao trambolhão seguinte.

Mas Pedro Nuno Santos tem outras dores de cabeça, como a instabilidade laboral na CP, onde as greves somam e seguem. 

A CP é outro sorvedouro de dinheiros públicos, mas sabe guardar um capital de queixa contra o Estado, por este se atrasar na regularização dos seus compromissos. 

Por isso, foi curioso ouvir o ministro das Infraestruturas, na cerimónia de apresentação do Plano Ferroviário Nacional, em meados de abril, defender o resgate da ‘dívida histórica’ da CP.

Com uma irreprimível vocação para se substituir à oposição, ausente como de costume, o ministro deu consigo a criticar o Estado-patrão (que, por acaso, representava no local), por não cumprir as suas obrigações para com a CP.

«Assim não há milagres», sentenciou Pedro Nuno, para quem o Estado tem de «sanear a dívida da CP, uma mochila que a CP carrega porque o Estado no passado não pagava, mas impunha que a CP prestasse o serviço». Rui Rio, se fosse líder da oposição, não diria melhor. 

Por sinal, o PS faz parte desse passado e governa sozinho desde 2015. E Pedro Nuno Santos é um dos 70 governantes que posaram na foto oficial, promovido a ministro em outubro de 2019.

Pelos vistos, só agora reparou na ‘mochila’ da CP, um fardo de que se queixam os grevistas, ao seguirem o exemplo do funcionalismo público, cumprindo metodicamente mais uma greve.

E esta é outra originalidade. Apesar de na Administração Pública e no setor empresarial do Estado não ter havido o menor sobressalto durante a pandemia, tanto em relação a salários como na estabilidade do emprego, é por ali que continuam as greves. 

O PCP ‘cobra’ com juros de mora a viabilização do OE e conhece ‘de cor e salteado’ a ladainha das ‘mochilas’…