Um franchising do KGB em Lisboa

O KGB era uma polícia política da União Soviética que existiu entre 1954 e 1991.

Era responsável pelo combate à dissidência política, a censura, a vigilância dos cidadãos e a espionagem. Para tal, recorria a métodos como a prisão, o sequestro, o assassinato, os atentados e outras formas de violência e intimidação. Os seus agentes tinham um elevado brio profissional e, além de colaborarem na repressão e morte de milhões de compatriotas, davam por vezes um saltinho ao estrangeiro para suicidar opositores do regime. Mas, que não fique a ideia errada de o KGB adorar a brutalidade, pois também recrutava belas mulheres para seduzirem diplomatas ocidentais e, após as delícias carnais, lhes sacarem segredos. E assim, sem fazer mal a ninguém, antes levando ao êxtase embaixadores tarados, as vénus soviéticas foram vencendo a Guerra Fria. Portanto, o KGB, ao contrário da CIA, refinou o prazer como método de espionagem e bateu-se pela igualdade entre sexos. Era, pois, uma polícia progressista e com muito sentido de humor.

Um dos seus mais notáveis espiões foi Vladimir Putin, autor de inúmeros feitos na RDA – embora nunca tenha seduzido nenhum diplomata. Putin é agora o presidente da Rússia e doutros antigos países da União Soviética. E como os melhores tempos da sua juventude foram passados no KGB, decidiu que a festa deveria continuar dando nova vida a esta polícia política com o novo nome de FSB. E logo os opositores começaram a ser presos, a voarem pelas janelas e a serem envenenados. Infelizmente, parece ter-se esquecido de que as mulheres russas continuam belas, os diplomatas ocidentais continuam tarados e, melhor ainda, que poderia agora usar espiões LGBT à farta.

Enfim, ninguém é perfeito.

Porém, Putin teve uma bela ideia que dispensa as ninfas russas: franchisar o KGB. Se o McDonald’s podia abrir uma loja em qualquer parte do mundo, o KGB também o podia fazer. Afinal, o fast food pode atrair mais protestos do que a espionagem; e comer um hambúrguer ser mais nocivo para a saúde do que trocar informações. E, assim, depois de boas parcerias com Trump e outros governantes que partilham dos seus ideais democráticos, Putin decidiu abrir um franchising do KGB em Lisboa, na Câmara Municipal. A autarquia ficou radiante com a parceria e logo tratou de facturar: enviou para a embaixada russa os dados pessoais dos primeiros manifestantes russos que protestaram contra Putin.

Levantaram-se vozes a chamar bufo ao autarca de Lisboa e a comparar estes métodos com os da PIDE. Absurdo! A embaixada russa garantiu que nada aconteceria aos opositores de Putin, caso regressassem à Rússia. Podiam continuar a protestar contra a ditadura, fazendo manifestações e escrevendo nos jornais, sem que a polícia lhes desse umas bastonadas, os prendesse, torturasse, os atirasse pela janela ou lhes injectasse um veneno incurável.

Então não devemos acreditar na palavra da Rússia, dos herdeiros do KGB e da Tcheka?

Aconteceu algo de mal aos Romanov, a Trotsky e ao próprio Navalny – a propósito do qual se fez a manifestação?

O franchising do KGB marca uma nova etapa nas relações entre Lisboa e Moscovo, sendo de esperar que agora a Câmara Municipal crie um ATL para formar jovens Pioneiros – futuros Homens Novos e Mulheres Novas – para o próximo encontro de saudosistas da União Soviética na Praça Vermelha de Moscovo. Do alto do Kremlin, com o fantasma de Estaline a pairar e a múmia de Lenine a sorrir, Putin derramará então uma lágrima doce pela gratidão lisboeta enquanto pensa em venenos incuráveis e suicídios pela janela.

 

João Cerqueira
Escritor
www.joaocerqueira.com