Palácio da Ajuda. Da maldição à maledicência

O remate poente do Palácio da Ajuda, em Lisboa, não é consensual. Uns dizem que parece um ‘radiador’, outros mostram-se indignados pelo contraste entre o antigo e o moderno.

M ais de 200 anos depois da colocação da primeira pedra, o Palácio da Ajuda, em Lisboa, foi finalmente concluído. O acontecimento é tanto mais significativo quanto a ala poente esteve durante décadas não apenas inacabada, mas numa espécie de ruína que um incêndio em 1974 deixou ainda mais exposta e degradada. Os projetos para a conclusão do emblemático edifício neoclássico sucederam-se, mas nenhum teve sequência. Chegou a falar-se em maldição. Até que, em 2016, um protocolo entre o Ministério da Cultura, a Direção-Geral do Património Cultural, a Câmara de Lisboa e a Associação de Turismo de Lisboa permitiu levar as obras adiante. Agora, concluído o remate, as opiniões dos portugueses dividem-se.

Enquanto muitos se congratulam por, independentemente da sua estética, o projeto estar finalmente terminado, outros, sendo apreciadores da arquitetura contemporânea, elogiam sem reservas o resultado final. Contudo, a maior parte dos comentários em resposta às publicações de Facebook da Câmara Municipal de Lisboa, do Palácio Nacional da Ajuda e do Património Cultural mostram o descontentamento dos internautas – que nalguns casos roça a indignação.

Há quem afirme que «é como misturar um bom vinho com Coca-Cola». E as críticas multiplicam-se: «Estragaram um património com séculos!»; «Devia ser reconstruído com o traçado existente!»; «Não entendo muito de arquitetura, mas julgo que este projeto sai muito fora da caixa quando comparado com a estética de todo o edifício», apontam os comentários.

Também não falta quem compare o projeto com a sede da EDP, na Av. 24 de Julho, em Lisboa: «Se não visse que era o Palácio da Ajuda, pensava que estavam a inaugurar o edifício da EDP»; «A EDP mudou para o Palácio da Ajuda, foi?»; «Está visto que a ala foi construída com os restos que sobraram da construção do edifício EDP».

E, pior, há até quem compare o desenho da nova ala a um radiador: «Duzentos anos para fazerem um radiador?», ou ainda «Para comprar radiadores, poderíamos ir a qualquer loja de eletrodomésticos, não é preciso estarem expostos num monumento histórico».

Comentários que não incomodam o autor do projeto, o arquiteto João Carlos dos Santos. «A maior parte das questões que as pessoas colocam são perfeitamente lícitas, porque as pessoas não conhecem a história do palácio, não conhecem as dificuldades de execução de um projeto desta envergadura», explica. «O projeto tem uma complexidade tão grande que as opções vão sendo construídas mediante aquilo que nós achamos que nesta relação e momento é o melhor».

A opção pela linguagem contemporânea – que causou estranheza a muitos lisboetas – é assumida. «Se eu reproduzisse – e mal, porque estaria a reproduzir num local que não era o limite da construção – uma linguagem semelhante à linguagem que se usava no século XIX, estaria a realizar um ‘falso histórico’», esclarece o arquiteto.

«Usei uma linguagem completamente contemporânea».

Muitos consideram, por isso, que o novo corpo destoa do histórico edifício. Há quem o considere mesmo «uma aberração».

Mas, com o passar do tempo, essa sensação de estranheza deverá ter tendência para se dissipar. Um internauta admite que passou em frente ao Palácio da Ajuda há três meses e odiou aquilo que viu. Entretanto a sua opinião foi-se modificando. «Se a obra fosse unânime é que era muito mau, era sinal que não existia massa crítica, pensamentos divergentes, direito à opinião e à indignação, diferentes sentidos estéticos e diferentes visões sobre a preservação e defesa do património», recordou outro.

Taxas e indemnização

A nova ala, que se destina a receber o Museu do Tesouro Real, foi inaugurada na passada segunda-feira, com a presença do Presidente da República, do primeiro-ministro, da ministra da Cultura, Graça Fonseca, do presidente da Câmara de Lisboa e de José Luís Arnaut, presidente adjunto do Turismo de Lisboa (as obras foram financiadas em parte pela taxa turística). No seu discurso, António Costa afirmou que os custos foram suportados «pela indemnização cobrada a uma companhia de seguros pelo roubo das peças, felizmente recuperadas». Referia-se a um diamante de 135 quilates e ao castão de uma bengala do Rei D. José (de ouro e com 387 brilhantes), entre outras joias valiosíssimas, roubadas numa exposição na Holanda e, ao contrário do que o primeiro-ministro disse, nunca recuperadas.