Variante indiana já é dominante em Lisboa

Mais de 50% dos novos casos em Lisboa já estão a ser associados à variante delta. “Penso que já não será possível travar aumento de casos sem algumas medidas de confinamento”, admite ao i Carmo Gomes. Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da OM, defende que não se pode atribuir toda a responsabilidade à…

A variante delta do Sars-Cov-2, antes chamada de variante indiana, já está a dominar a maioria dos novos casos de covid-19 detetados na região de Lisboa, sobrepondo-se à variante inglesa. Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, adianta ao i os dados apontam para que já seja maioritária na região, representando mais de 50% dos novos casos, o que estará a contribuir para o acelerado aumento de casos na grande Lisboa e aumenta o risco de descontrolo da situação epidemiológica no resto do país. Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, deixa o mesmo alerta. “O que estamos a ver neste momento em Lisboa é a prova definitiva de que a nova variante já é dominante, provavelmente já é dominante há algumas semanas. É fundamental que haja capacidade de monitorização das variantes em qualidade e quantidade, com dados em tempo real”, defende o médico.

Segundo o i apurou, os dados da rede de laboratórios Unilabs têm estado a ser usados para estimar a progressão da nova variante, mas só a análise genética de amostras dos vírus, a cargo do Instituto Ricardo Jorge, permite confirmar o peso de cada variante. Nas amostras de maio, a variante delta representava a nível nacional 4% dos casos, mas já há mais em Lisboa. Só no final da semana passada a DGS e o INSA reconheceram que existe já transmissão comunitária da variante delta no país, mais evidente em Lisboa. Ontem questionados pelo i, os dois organismos não facultaram previsões sobre a prevalência da variante.

Os dados genómicos da primeira semana de junho que estão agora a ser tratados e ainda não foram divulgados irão precisar o aumento, sendo a indicação junto dos peritos ouvidos pelo i de que é já maioritária pelo menos em Lisboa. Na semana passada, a SIC avançou que os especialistas do INSA tinham uma previsão de que a variante delta já representava a nível nacional 40% dos casos. Carlos Sousa, responsável do laboratório de Biologia Molecular da Unilabs Portugal, adiantou ao i que está a ser usada a mesma plataforma que no início do ano permitiu sinalizar precocemente a disseminação da variante inglesa, que na altura associaram a uma falha no gene S que pode ser detetada nos testes PCR. O que se tem notado nas últimas semanas é que são cada vez mais frequentes os casos em que o gene S volta a estar presente, o que até aqui era raro. “Indicia que há uma nova variante a ganhar terreno e provavelmente é a variante indiana, mas teremos de fazer a prova de conceito”, diz o responsável, explicando que se espera nos próximos dias a validação de que esta plataforma permite sinalizar, por esta via, casos da variante e fazer assim estimativas da prevalência da mesma no país, um trabalho que tem estado a ser feito em parceria com o INSA.

Quarta vaga em Lisboa pode alastrar ao resto do país O Governo reúne-se hoje em conselho de ministros para avaliar a situação nos concelhos em alerta e a indicação deixada ontem pelo primeiro-ministro é que será mantida a estratégia e a capital, onde se tem registado o maior aumento de casos e uma nova subida nos internamentos, sobretudo entre não vacinados mas também em pessoas já com doses da vacina, terá o mesmo tratamento que os restantes concelhos.

Com as regras em vigor, só à segunda semana consecutiva com mais de 240 casos por 100 mil habitantes, o que Lisboa só ultrapassou no último fim de semana, é que haveria um recuo no desconfinamento, com novas restrições de horários ao fim de semana. Para Manuel Carmo Gomes, será difícil conter o aumento de casos em Lisboa sem novas medidas de confinamento, mesmo que não totais. “Penso que já não vamos lá sem algumas medidas de confinamento, será muito difícil”, afirma, considerando que em Lisboa já se pode falar de uma quarta vaga que incide sobretudo na população mais jovem, não vacinada, mas que se não for contida pode alastrar ao país. “Se pensarmos que temos 5,8 milhões de pessoas com menos de 50 anos no país e que 20% tem alguma proteção, seja pela vacinação seja pela infeção natural, ainda são muitos milhões de pessoas suscetíveis”, explica, considerando que o aumento de casos em Lisboa, que dura há cinco semanas, devia ter motivado uma intervenção mais precoce de testagem e sensibilização e deveria agora estar a motivar um reforço das equipas de rastreio epidemiológico. “A grande questão que se coloca é porque é que estando o RT acima de 1 há cinco semanas em Lisboa não houve ação mais decisiva para conter os casos, nomeadamente com testagem massiva”, afirma. “Este vírus tem esta coisa que as pessoas não aprendem. Os casos começam a crescer muito devagarinho e depois explodem”. Também Filipe Froes considera que a principal questão a colocar é porque é que não se reagiu mais cedo à evolução dos diferentes indicadores, salientando que era nesse sentido a proposta de uma nova matriz feita pela Ordem dos Médicos e defendendo a necessidade de reforçar as equipas de rastreios epidemiológico, já em stresse. Como o i avançou esta semana, tem havido um aumento dos casos a que as autoridades de saúde dão seguimento fora do prazo estabelecido em 24 horas. Para o gabinete de crise da Ordem dos Médicos, “é fundamental que nesta altura não haja qualquer atraso”, diz Filipe Froes, que defende, antes de um recuo no desconfinamento, três medidas: por um lado, o alargamento imediato da vacinação a toda a população com mais de 16 anos, aumentando a faixa de população protegida. Depois, o reforço da testagem, mas acompanhada da aplicação dos novos certificados digitais de covid-19, que indicam se uma pessoa está vacinada, se teve covid-19 e recuperou ou se tem um teste recente negativo à covid-19, não apenas para viagens para fora mas a nível nacional. “Permitiria operacionalizar o acesso em segurança a espaços públicos, seja a eventos culturais, desportivos ou mesmo casamentos. De outra forma, como se vai operacionalizar? Como se sabe que um casamento está com a lotação de 50%? Pode perguntar-se: temos meios para isso? A pergunta é se temos capacidade para voltar a confinar. Temos de otimizar as armas que hoje temos ao nosso dispor”. Essencial, defende, é aumentar a sensibilização da população para a necessidade de continuar a aderir a medidas como distanciamento e máscara. “Não se pode atribuir toda a responsabilidade à variante e aos jovens, tem de haver uma perceção do risco claro por parte da população”.