Medina ‘perdeu o pé’…

Medina procurou ‘tapar o sol com a peneira’, com desculpas esfarrapadas, como se o papel do presidente da Câmara fosse apenas decorativo e, cumulativamente, ‘comentador’ de televisão…

As polémicas duram pouco no espaço mediático. As emoções, as indignações, ou as perplexidades são efémeras. Quando as ‘bolhas’ rebentam, fervilham os comentários, dentro e fora das redes sociais, cada um na sua trincheira, numa esgrima vigorosa.

Então se o protagonista é gente da casa socialista, seja governante, deputado, dirigente partidário – ou autarca com aspirações a ganhar um novo mandato no principal município do país –, há um tocar a reunir, com as hostes ativamente empenhadas na neutralização do adversário. A hegemonia não pode ser beliscada.

É graças a essa estratégia bem lubrificada, numa reedição do consulado de Sócrates, que as polémicas se esgotam num ápice e o alvoroço é ‘sol de pouca dura’.

Por vezes, há azares que contrariam os laboriosos esquemas montados pelos especialistas em gestão de crises, e os embaraços transborda, de rompante, para o espaço público, com uma dimensão inusitada, estragando as mais sábias manobras de diversão.

É o caso da infelicidade de Fernando Medina, com a mal explicada história da denuncia à embaixada russa da identidade dos organizadores de uma manifestação anti-Putin, ficando a saber-se, na ressaca desse execrável episódio, que, afinal, a prática tem antecedentes com a China, a Venezuela, Israel e sabe-se lá quem mais.

Divulgado o ‘erro’, Medina procurou ‘tapar o sol com a peneira’, com desculpas esfarrapadas, como se o papel do presidente da Câmara fosse apenas decorativo e, cumulativamente, ‘comentador’ de televisão, ‘oficio’ absurdo para um político no ativo.

Em qualquer país democrático, um escândalo desta natureza implicaria, naturalmente, por uma questão de dignidade, a demissão espontânea de Fernando Medina.

Mas, em Portugal, sob a alçada do PS, são outros os parâmetros, enquanto o líder do município esbraceja desculpas pífias, determina uma ‘auditoria’ interna, e chama «delírios de oportunismo politico» a quem ‘ousa’ apontar-lhe a porta de saída.

Medina ficou fragilizado e, ao furtar-se às responsabilidades, imita no pior Eduardo Cabrita, que continua ministro, depois do ultrajante episódio ocorrido no SEF do Aeroporto. Ambos não aprenderam a lição de Jorge Coelho, após o desastre de Entre-os-Rios.

Medina ‘perdeu o pé’ e, por muito que custe a António Costa, que o promoveu, e a outros apaniguados que saíram em sua defesa, o PS ficou ‘descalço’ em Lisboa.

Carlos Moedas defendeu naturalmente a demissão de Medina, acusando-o de ser «cúmplice» de Putin, contrastando com a tibieza de Rui Rio. E, até o PCP achou a história lamentável, cultivando um inesperado distanciamento.

A ‘cereja em cima do bolo’ foi, no entanto, partilhada, por Pedro Nuno Santos e Augusto Santos Silva.

O primeiro, sem vestígios de «hipocrisia» ou de «cinismo como armas de combate político», exibiu o ‘pronto-socorro’ para acudir ao seu rival na corrida à herança de António Costa. O segundo, sem a menor desfaçatez política, soube declarar ter pedido às «autoridades russas, que receberam indevidamente os dados» para que «cumpram as leis internacionais e os apaguem». Impagável.

Perante este imbróglio, António Costa primeiro esquivou-se, e foi a partir de Bruxelas, que resolveu comentar a violação grosseira de direitos humanos e de tratados internacionais pela CML. Afinal, para o primeiro ministro tratou-se de um assunto «de balcão da Câmara», no âmbito de uma «prática administrativa». Para um jurista é lapidar.

A desresponsabilização política tem sido uma das ‘marcas de água’ dos executivos socialistas, em particular, com Sócrates e António Costa. Mas este abusa.

Por estranho que pareça, Marcelo Rebelo de Sousa disse ‘compreender’ as desculpas atabalhoadas de Medina, apesar de reconhecer que o episódio é «realmente é lamentável». E fiou-se por aí, ele que tanto fala.

Depois disto, o Presidente achou mais importante ir à Hungria assistir ao futebol da seleção portuguesa e apostar uma garrafa de vinho com o seu homólogo húngaro. Nos intervalos, entreteve-se num ‘pingue-pongue’ com o primeiro-ministro sobre quem manda no desconfinamento na covid. Edificante.

Fica para a história o ralhete de Marcelo a Costa – «por definição, o Presidente nunca é desautorizado pelo primeiro-ministro (…)». O pior é que foi e não é inédito.

A política à portuguesa deu nisto: futebol com fartura e ‘zanga de comadres’… E quando as coisas ‘dão para o torto’, monta-se uma cerca sanitária na Área Metropolitana de Lisboa, para compensar a liberalidade irresponsável do Governo e de Medina nos festejos do Sporting-campeão.

Neste quadro, já nem surpreende a partidarização das comemorações do 25 de Abril ou da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, com a nomeação de dois comissários políticos. É o descaramento típico de uma política de vão de escada. Sem pudor nem oposição…