Jorge Barreto Xavier: “Nem eu nem este município estamos habituados a falar de coisas que não fazemos”

O comissário de Oeiras 27, capital europeia da cultura, apresenta um programa ambicioso que inclui um Museu do Tejo e um centro de criação que quer ser uma referência mundial. E garante: ‘Não estamos a falar de coisas no ar’.

Um Museu do Tejo, que pretende valorizar o maior conjunto de fortalezas marítimas a nível mundial, um centro de referência da criação cultural contemporânea, instalado no convento da Cartuxa de Laveiras, um Museu de Arte, Ciência e Tecnologia no Palácio Marquês de Pombal e um auditório com a ambição de rivalizar com o da Gulbenkian e o do CCB.

Estas são algumas das âncoras da candidatura de Oeiras a capital europeia da cultura em 2027. Para pôr o plano em marcha, a Câmara de Oeiras planeia investir 400 milhões de euros ao longo dos próximos seis anos.

Na apresentação da candidatura, que teve lugar na passada quinta-feira, 17 de junho, no Taguspark, Isaltino Morais falou de um novo ciclo de desenvolvimento para o concelho. Depois de num primeiro ciclo se ter dedicado ao «combate à pobreza mais extrema, erradicação de barracas, resolução de problemas de ambiente graves, saneamento básico», e de no segundo ciclo ter promovido a atração de empresas de base tecnológica, chegou a hora de «dar um salto qualitativo», defendeu. «Aqui há uns anos talvez não fosse possível. Agora é».

A candidatura de Oeiras conta com o apoio de personalidades como Durão Barroso e Robert Palmer, que liderou as candidaturas vencedoras de Glasgow (1990) e Bruxelas (2000), além de uma comissão de honra onde surgem os nomes de Ramalho Eanes (presidente), Francisco Pinto Balsemão e o designer Philippe Starck, entre outros.

Oeiras não está sozinha nesta corrida: compete com Aveiro, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Funchal, Leiria, Guarda, Oeiras e Viana do Castelo, todas elas capital de distrito. O vencedor deverá ser anunciado em 2023, mas o comissário, Jorge Barreto Xavier, antigo secretário de Estado da Cultura, diz que, seja ou não a eleita, Oeiras «já ganhou». Conversámos com ele poucos minutos depois da apresentação do projeto. Levantou o véu sobre algumas das apostas emblemáticas e falou sobre um património histórico que começa a sair da sombra.

O que lhe pediu Isaltino Morais quando o convidou para ser comissário da Capital Europeia da Cultura?
Foi-me dada a liberdade de apresentar um projeto estruturante, que, naturalmente, foi avaliado. Fiquei muito feliz pela sua validação.

Oeiras é um município que associamos a habitação, associamos a empresas e a negócios, associamos a jardins e a espaços verdes. Mas não associamos muito a cultura. Isto resulta de uma perceção errada ou corresponde à realidade?
Acho que é mais uma questão de perceção. Os residentes de Oeiras são dos mais qualificados a nível nacional. A programação cultural existe e é fruída pelos munícipes, tanto na área das bibliotecas como nas áreas dos espetáculos e das exposições. Mas é verdade que Oeiras não tem equipamentos de grande dimensão. E isso é precisamente uma coisa que, depois de ter alcançado vários patamares de desenvolvimento, Oeiras quer também conquistar. O mote para um terceiro ciclo de desenvolvimento visa precisamente ter na cultura um motor. Mais do que ter na cultura a celebração de um facto consumado, é fazer dela um ativador desta nova fase.

Quais são as grandes linhas desse ciclo de desenvolvimento?
Seja na área da poesia, na área das artes, na área das heranças culturais, na área do património marítimo ou na organização de um ecossistema urbano, o nosso projeto tem um conjunto de eixos de trabalho que visam trazer um acrescento efetivo ao desenvolvimento alcançado. Será um teste muito relevante para o futuro do concelho e um contributo para a área metropolitana, nomeadamente para o eixo Lisboa-Cascais – Oeiras está no meio desse eixo. A qualificação de Oeiras é também a qualificação da área metropolitana de Lisboa e obviamente é também um contributo para o país. Os equipamentos, projetos, programas que estamos a preparar, vários dos quais queremos que tenham um impacto internacional e uma relevância grande no contexto internacional, são também um atrativo para a região de Lisboa. Esperamos, de uma forma ao mesmo tempo coesa, inclusiva e plural, poder contribuir para que os cidadãos residentes, mas também quem visita Oeiras, sintam que vale a pena estar aqui e vale a pena vir aqui.

Oeiras tem turismo?
Tem turismo. Tem um conjunto já relevante de hotéis e numerosos pedidos de licenciamento hotéis para o futuro. Calculo que haja um reequacionar desses pedidos, vamos ver qual é o desenvolvimento da situação face à pandemia. Mas, como lhe digo, há já um conjunto de hotéis de cinco, quatro e três estrelas aqui no concelho, há um porto de recreio, há duas marinas em preparação, há um conjunto de equipamentos que está a ser desenvolvido. E a gastronomia, que é importante no contexto turístico, faz parte do trabalho que estamos a promover no âmbito da candidatura.

Referiu na apresentação que estas candidaturas costumam ser feitas por cidades, e Oeiras não tem cidade. Eu quase a veria como uma constelação de pequenas povoações.
Por isso eu falei de uma cidade polinucleada. O que queremos nesta fase é fazer de cada uma destas localidades um bairro. Portanto Oeiras acaba por ser uma cidade sem centro nem periferia.

Isso não é um handicap?
De maneira nenhuma. É a característica deste território. Tudo depende do que apresentamos como programa e acreditamos que temos um bom programa para apresentar. 

Existe algum projeto que seja emblemático da candidatura?
Existe uma série de projetos emblemáticos, mas ainda não é o momento de os desvelar, precisamente porque fazem parte de uma candidatura num processo competitivo. Serão conhecidos depois da entrega da candidatura.

É que, habitualmente, não basta que uma candidatura seja forte, convém que tenha algo que cause impacto. Há algum desses projetos que possa vir a tornar-se uma bandeira da capital europeia da cultura?
Acreditamos que sim. Lamento, mas não posso falar desses projetos.

Em todo o caso, trata-se de novos projetos de arquitetura, de novos equipamentos?
Há alguns de que posso falar. Vamos transformar o Palácio Marquês de Pombal no Museu de Arte, Ciência e Tecnologia. Vamos criar de raiz o centro cultural de Linda-a-Velha. Vamos criar um hub de indústrias criativas. Já estamos a avançar com a criação do Museu do Tejo. Enfim, há um conjunto largo de projetos em desenvolvimento, a nível do edificado e da sua reabilitação, e vai haver a seguir um trabalho com a comunidade.

Mas estamos a falar de ideias, de intenções, ou de propostas já em andamento?
Nada do que eu estou a falar são ideias. Nem eu nem este município estamos habituados a falar de coisas que não fazemos – embora eu conheça, e certamente você também, quem o faça. Para o Museu do Tejo, por exemplo, já está prevista a alocação de cinco milhões de euros para a sua construção, o espaço está identificado – é a Bateria do Areeiro, em Oeiras –, o projeto de conteúdo está concluído, o projeto de arquitetura está a ser preparado… Portanto não estamos a falar de coisas no ar.

Em termos de património histórico Oeiras pode competir com outras cidades?
Oeiras era periferia de Lisboa. Neste momento há mais gente que vem todos os dias trabalhar para Oeiras do que sai de Oeiras para trabalhar. Isto não é característica de uma periferia. Ao mesmo tempo, Oeiras tem na barra do Tejo o maior número de fortificações marítimas a nível mundial. Isso obviamente que é património. Como tem uma das maiores fábricas de pólvora da Europa no seu território, a fábrica de pólvora de Barcarena. Como tem um dos dois únicos conventos cartuxos que existem em Portugal: há um em Évora, e um em Oeiras, mais propriamente em Laveiras. Não temos o património de Sintra ou de Lisboa, mas há série de elementos patrimoniais relevantes no concelho.

Que começam um bocadinho a sair da sombra, é isso?
Exatamente.

Imagino que uma candidatura destas envolva muita burocracia…
Envolve um trabalho de preparação, que é técnico, mais do que burocrático. E envolve outro trabalho que é extremamente importante, que é o da participação cidadã, da mobilização dos cidadãos. 

E em termos de papelada, de prazos, formulários?
Claro que há tudo isso também, porque há um processo de candidatura que é formal.

Quais os pontos fortes que destacaria na candidatura de Oeiras?
Oeiras é um município competitivo, qualificado e o segundo que gera mais riqueza para o país. Naturalmente, estes elementos são essenciais. Mas o maior ponto forte desta candidatura são as pessoas – as que vivem e as que trabalham em Oeiras.

Mesmo que a candidatura não ganhe, acha que vai valer a pena o esforço?
Já está a valer a pena, porque já criou uma dinâmica, já pôs em marcha um trabalho de projeto que estamos a concretizar.