Marcelo Rebelo de Sousa al-Sahhaf Fonseca

Será que ainda não percebeu que a nova variante, a Delta, é uma grande incógnita e que os hospitais podem ficar outra vez sobrelotados, agora com uma população muito mais jovem?

Quando há uns anos fizemos o SOL de Angola colaborei em várias entrevistas no arranque da Caju, a revista que acompanhava o jornal. Um dos personagens mais interessantes e que me situou no tempo e no espaço foi um rapper que tinha um sucesso estrondoso na altura. Quando lhe perguntei como podia um rapper vingar num país com uma democracia tão musculada, respondeu-me: «Em África, primeiro diz-se bem e depois já se pode falar mal». Falar mal era relativo, mas havia alguma crítica social na sua música. Em Moçambique a história era bem pior – e hoje nem se fala – e um estrangeiro que escrevesse alguma coisa desagradável para o Governo podia ser expulso em 24 horas.

Vem esta conversa não a propósito de democracia, mas sim de se dizer primeiro bem e depois mal. Tenho por Marcelo Rebelo de Sousa estima e consideração e acho que tem sido um ótimo Presidente, atendendo ao seu comportamento em momentos difíceis. Recordo-me dos incêndios na zona Centro e na Madeira, de há quatro e cinco anos respetivamente, onde Marcelo funcionou quase como um psiquiatra de populações que se sentiram abandonadas. Para quem vive no bem-bom é natural que olhe para estas atitudes com algum desdém, mas Marcelo deu alento a muito boa gente.

Além da Presidência, recordo-me sempre do seu lado rebelde que adora ‘sacanagem’. As partidas que adorava fazer a amigos e jornalistas ficam na história. Quem não se recorda da vichyssoise de Paulo Portas ou de ditar três textos diferentes de pé em cima da mesa para três secretárias? Depois há o seu lado humanitário, onde não faltam testemunhos de seus ex-alunos, além dos cascalenses em situação financeira desesperada que recorriam ao então Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Ainda há um ano um conhecido psiquiatra que vive em Cascais me contava várias histórias de pessoas sem dinheiro que pediam ajuda financeira a Marcelo.

No lado mais pessoal, recordo-me dos encontros na praia e no restaurante do Gigi, onde fazia questão de cumprimentar todos os empregados e de brincar com o inevitável Bernardo Reino. É preciso acrescentar as festas de aniversário com outro dos nossos amigos em comum, «o Lima», como diz o Presidente.

Estas são algumas das razões por que gosto de Marcelo, que nas últimas semanas ‘ao fazer uma curva’ seguiu em frente e ainda não conseguiu regressar à estrada. O homem que tem procurado alertar os portugueses para os perigos da pandemia transformou-se nos últimos dias numa espécie de Mohammed Saeed al-Sahhaf – o célebre ministro da Informação de Saddam Hussein, que com as tropas americanas nas suas costas continuava a afirmar que os norte-americanos iam ser esmagados e nunca entrariam em Bagdade –, com uma mistura de Rui Fonseca e Castro, o juiz negacionista da pandemia. Percebe-se e aceita-se que o PR não quer o regresso ao estado de emergência, mas ao dizê-lo taxativamente está a passar a mensagem de que o pior já passou quando não se sabe o que vem aí. Veja-se o recuo do Governo israelita, que voltou a introduzir a obrigatoriedade do uso da máscara em locais públicos. Ou do Dubai, que comprou vacinas da Pfizer depois de a sua população ter tomado as duas doses da vacina chinesa ou russa.

Marcelo, ao defender também Ferro Rodrigues, que apelou aos portugueses para irem rapidamente e em força para Sevilha para ver o jogo de Portugal contra a Bélgica, dos oitavos-de-final do campeonato da Europa, fez lembrar outra vez ‘Mohammed Saeed al-Sahhaf Fonseca’.

Será que ainda não percebeu que a nova variante, a Delta, é uma grande incógnita e que os hospitais podem ficar outra vez sobrelotados, agora com uma população muito mais jovem?

Para voltar à estrada principal e deixar a curva, o PR só tem um caminho, pedir desculpa pela mensagem errada que transmitiu, insistir que não quer voltar ao estado de emergência, mas para que isso não aconteça vamos todos ter de voltar a ter juízo.

Em matéria de coronavírus, não há ‘sacanagem’ que resista…