A mulher de César chama-se Carolina Menéres Pimentel

O debate na Assembleia da República da proposta do Governo da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) teve uma protagonista inesperada e a questão do enriquecimento ilícito ou injustificado fica para depois, também por uma ‘questão de cortesia’.

A mulher de César chama-se Carolina Menéres Pimentel

No último dia útil da semana discutiu-se na Assembleia da República (AR) a Estratégia Anticorrupção do Governo. Várias notas da manhã de sexta-feira, 25 de Julho: o enriquecimento ilícito ou injustificado foi o tema marginal que dominou o debate em que não houve votação e em que se percebeu que a vontade do Presidente da República de que o assunto fosse tratado nesta sessão legislativa não será satisfeita e Mónica Quintela do PSD mandou Pedro Delgado Alves do PS para o terreno, ou seja, para os tribunais, onde a conspícua advogada fez carreira. E tivemos o curioso discurso de encerramento da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que começou por falar de Carolina Menéres Pimental Berhan da Costa Bastos Martins. 

Carolina tem 36 anos, é magistrada do Ministério Público e neta do antigo ministro da Justiça de um Governo AD, Menéres Pimentel, foi nomeada, em 2020, para adjunta de Van Dunem e, mais recentemente, para o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), órgão que investiga os políticos. Francisca Van Dunem fez questão de afirmar que a mulher de César parece e é séria.

A ministra reagiu à intervenção do deputado do PSD, Carlos Peixoto, que criticou o tema ausente, «o Governo nesta matéria ficou estranhamente fora de jogo: mostrou algum desdém pela criminalização do enriquecimento injustificado ou ilícito ou ocultação de riqueza e ainda não explicou bem porquê», e falou da mulher de César, « (…) este indescritível rodopio de magistrados e de técnicos da Polícia Judiciária para esta instituição, para órgãos do Estado e para tribunais, é obscena, é descarada, é tóxica e é bafienta», para concluir: «À mulher de César não basta parecê-lo, é preciso sê-lo». A ideia gasta de tanto uso teve nova versão da deputada do PS, Cláudia Santos, que afirmou que «no século XXI, mulher nenhuma precisa de parecer aquilo que não é, é um provérbio profundamente misógino para começar um debate desta natureza». A misoginia é justa, mas não anula a questão. 

Também esta semana, a Transparência e Integridade dava conta de que há, atualmente, pelo menos 16 magistrados a exercer funções nos Ministérios da Justiça, Administração Interna e Defesa Nacional. «O Estatuto dos Magistrados Judiciais não impede que juízes e procuradores do Ministério Público transitem para cargos no Governo ou que retornem às suas funções originárias depois do exercício de funções governativas, mas esta é mais uma porta giratória que vem levantando muitas inquietações éticas», pode ler-se no site da organização e que prossegue com uma outra ideia: «A captura do poder judicial pelos interesses políticos coloca em risco a separação de poderes, princípio fundamental da democracia e do Estado de Direito».

A Transparência e Integridade viu com «preocupação» a colocação da adjunta da ministra no DCIAP. Susana Coroado, que preside à organização, falou com o Nascer do SOL e explicou por que razão é tudo tão inquietante. «Andávamos um bocado incomodados com a quantidade de nomeações, mas, e muito recentemente, saiu a notícia de que a adjunta da ministra da Justiça ia ser colocada do DCIAP e avançamos com os dados que tínhamos. A lei diz que eles não podem exercer, mas como eles estão com a atividade suspensa, porque estão a exercer um cargo, não estão a desrespeitar a lei. A questão aqui é muito concreta: esta adjunta em particular, Carolina Menéres Pimentel – e não estou a falar da pessoa em si, prefiro olhar para a situação – era procuradora no DIAP (Direção de Investigação e Ação Penal) de Lisboa, vai para o Governo e a seguir é colocada no DCIAP, que é unidade que investiga a criminalidade económico-financeira mais grave e onde estão a decorrer investigações que envolvem políticos. A adjunta vai para aquela unidade e como é que nós podemos ter a garantia que ela não vai ficar com nenhum desses processos em mãos?», questiona Coroado. Van Dunem não respondeu a esta questão no Parlamento.

Regressemos à proposta do Governo do ENCC e, mais concretamente, enriquecimento ilícito. O Nascer do SOL teve acesso ao documento da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) em que é feito um quadro comparativo global do que cada partido apresenta nesta matéria (ver quadro). Nesta sexta-feira, no Parlamento, quando confrontada com a questão pelo deputado do Chega, André Ventura, que também lamentou a ausência do debate da reforma do Tribunal Central de Instrução Criminal, Francisca Van Dunem respondeu que na altura em que a proposta da estratégia foi apresentada «tinha acabado de entrar em vigor a lei 52/2019» e que o Governo entendeu que «tratando-se, como se trataria, de aperfeiçoar esse modelo deveria, numa ótica de cortesia institucional, deixar que fosse o parlamento a pegar nessa matéria e eventualmente a alterá-la». Quanto á reforma do ‘Ticão’, o debate está marcado para dia 9 de Julho. 

O enriquecimento ilícito, nas suas muitas formulações semânticas e jurídicas, fica por agora adiado. E andamos há anos nisto, em 2013, deu entrada na AR uma proposta de Manuel Magalhães e Silva sobre ‘enriquecimento injustificado’, mais recentemente, a tão aplaudida proposta da ASJP. Os legisladores querem ter o protagonismo nesta questão, mas, e ao que tudo indica, a discussão segue na próxima sessão legislativa.

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