No olho do furacão

Há algum tempo senti renascer a esperança. Tantas confusões ultrapassadas, tantos avanços e recuos vividos, parecia chegada a hora de se conseguir estabelecer um entendimento sobre o que fazer.

Curiosamente, tal aconteceu depois do tranquilo auto-afastamento de um dos peritos que mais confiança me inspirava.

Percebeu-se que a sua atitude fora relevante.

Foi o tempo de tentar encontrar um caminho sustentado depois do reconfinamento, balizando ocorrências e valores, determinando linhas de atuação, tentando um novo normal progressivo e controlado.

Acreditei naquela matriz dos verdes, amarelos, laranjas e vermelhos.

Pensei que todos haviam intuído as obrigações dele decorrentes.

Eis senão quando tudo se complicou.

A ideia do desconfinamento foi galopante.

Mas, mais importante do que isso, a prática permissiva e condicionada pelos interesses em jogo introduziu sucessivos entorses.

Claro que, algumas das expectativas foram goradas. Os testes foram rareando, a monitorização do seu acompanhamento foi enfraquecendo.

Das escolas saíam os alunos que transmitiam às famílias o vírus.

E, no silêncio das consequências, a pandemia foi paulatinamente crescendo.

Seria sustentável, dir-se-ia, se nada mais acontecesse.

A ideia feita era a de que a primeira dose das vacinas oferecia proteção moderada mas suficiente.

Se bem nos recordamos, a AstraZeneca dizia, no princípio, que uma dose era bastante.

Depois percebeu-se que não.

Depois concluiu-se pelo adiamento da segunda toma.

Depois, ainda, constatou-se que não podia servir para todos.

Entretanto, sendo a primeira aplicada, e precisamente aos mais idosos, repousou-se na conveniência do intervalo de três meses.

O que aconteceu a seguir?

Um sismo.

Surgiu a variante indiana, percebeu-se que era mais contagiosa e agressiva, colocou em causa o método seguido.

Os idosos, justamente aqueles que a tinham tomado, estavam a ficar vulneráveis pela carência da segunda dose.

É o que hoje se conclui.

Das notícias lidas, um terço dos internados nas UCI só foi vacinado com a primeira inoculação.

Mas, entretanto, a ideia da facilidade permissiva começou a instalar-se.

Havia restrições gerais, mas as celebrações de massas e os festejos eram permitidos.

Por quem? Não se sabe.

As ruas voltavam a encher-se, nas noites, de magotes de gente.

Na esperança de responder à pressão das necessidades da atividade turística, abriram-se as facilidades dos voos para Portugal.

De onde? Precisamente do país que mais dificuldades reportava, adiando a retoma das normais atividades e alertando.

Curiosamente, foi esse mesmo país de origem que classificou Portugal de risco elevado e introduziu restrições.

Pelos vistos, sabiam os ingleses do que falavam. Nós, nem por isso.

A conclusão é um verão turístico perdido.

O panorama que contemplamos, agora, é confrangedor.

A matriz não tem consequências. Esta limitação da circulação de e para a grande Lisboa é uma caricatura para entreter e ganhar tempo.

A vacinação está condenada a superar-se mesmo sem vacinas.

E o que é pior é começar a ser afetada a confiança dos portugueses.

Estamos de novo no olho do furacão.