Certificado digital. Vacinas de fora da Europa sem protocolo de validação

Desenhado para facilitar as viagens dentro da União Europeia, o Certificado Digital da covid-19 tem revelado um arranque atribulado, com muitas dúvidas à mistura.

O certificado digital da covid-19, promovido pela União Europeia e disponível desde 17 de junho em Portugal, tem sido uma verdadeira dor de cabeça para os emigrantes portugueses que procuram validar as vacinas aplicadas fora do Sistema Nacional de Saúde, para facilitar a sua mobilidade nas viagens a Portugal e à União Europeia (UE).

O ‘livre-trânsito’ para viajar na UE (e não só, já que serviu para entrar e sair da Área Metropolitana de Lisboa no último fim de semana, quando o acesso à região esteve limitado, e servirá para eventos nacionais), não prevê uma diretriz geral para os cidadãos portugueses que tenham sido vacinados em países estrangeiros, o que tem levantado dúvidas e preocupação.

Todos os cidadãos europeus que estejam inoculados contra o novo coronavírus, que já reclamou mais de 3,9 milhões de vidas no mundo inteiro, têm direito a requisitar o documento, que garante viagens na União sem testes nem quarentenas, e que entra em vigor a 1 de julho. Também aqueles que comprovem ter recuperado da doença nos últimos seis meses, ou que apresentem um teste PCR (72 horas antes) ou antigénio (48 horas antes) negativo, poderão pedir o novo documento.

 

Emigrantes, vinde!

“O certificado digital vai fazer a diferença. Pessoas que estejam vacinadas vão poder viajar sem fazerem teste e isso é muito importante porque fazer teste tem um custo acrescido. Quem se vacinar vai poder viajar para Portugal sem fazer teste nem quarentena”, garantiu a secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, dando luz verde aos vários emigrantes portugueses e lusodescendentes que vivem no estrangeiro para visitar Portugal nestas férias de verão.

Ainda assim, há um detalhe que Berta Nunes não explicou: como vão os cidadãos portugueses residentes fora da União Europeia, que se vacinaram nos países onde vivem, pedir o certificado digital, sem que as ditas vacinas que lhes foram aplicadas surjam nos registos do Ministério da Saúde? O i questionou os Serviços Partilhados do mesmo Ministério sobre esta realidade, sem, no entanto, obter resposta até à hora de fecho desta edição.

Alguns emigrantes portugueses, nomeadamente na Bélgica, na Holanda, na Roménia e em Macau estiveram à conversa com o i, e a mensagem é universal: são poucas ou nenhumas as informações dadas sobre o processo de requerimento do certificado digital nas comunidades portuguesas, em especial sobre os processos de validação das vacinas aplicadas fora da União Europeia.

Na União, os portugueses residentes noutros Estados-membros que aí tiverem sido vacinados poderão requerer o certificado digital nos respetivos países. Ainda assim, a realidade difere em lugares como o Brasil, a Venezuela e Macau, onde há grandes comunidades de emigrantes que, tendo-se vacinado nesses mesmos países, não receberam nenhuma indicação sobre como poderão aceder a este certificado digital.

 

Testes em vez do certificado

Em Macau, o baixo custo dos testes PCR (90 patacas, ou seja, perto de 9 euros) é o suficiente para dissuadir os portugueses de requerer o certificado digital, já que se torna mais fácil recorrer aos testes de despiste do que tentar perceber como validar as vacinas tomadas no estrangeiro. Esta é a opinião de um emigrante ouvido pelo i, que desvalorizou a ferramenta da UE, defendendo ser muito mais prático continuar a fazer os testes de despiste para poder viajar para Portugal.

 

Só vacinas certificadas

Há ainda outro obstáculo para a entrega dos certificados digitais aos emigrantes portugueses. Segundo fonte oficial da Direção-Geral da Saúde (DGS), aqueles que queiram entrar na UE com o certificado digital em questão deverão ter sido inoculados com uma das vacinas aprovadas pela Comissão Europeia, seguindo as recomendações da Agência Europeia de Medicamentos, ou seja, as da Pfizer/BioNTech, Moderna, AstraZeneca e Janssen.

De fora ficam então a Sinopharm, a Sinovac e a CoronaVac (chinesas), Sputnik (russa), Covaxin (indiana), Epivaccorona (russa) ou a Soberana (cubana). Esta realidade fez soar alarmes nas comunidades portuguesas emigrantes, nomeadamente no Brasil, onde muitos foram vacinados com a CoronaVac, que não consta da lista aprovada pela Comissão Europeia, o que faz com que só possam pedir o certificado digital com um comprovativo de recuperação da doença ou com um teste com resultado negativo.

 

Burocracias e atrasos

A disponibilização do certificado digital tem dado mais dores de cabeça do que alegrias à população portuguesa, nomeadamente a quem vive fora das fronteiras da União Europeia. Ainda assim, por cá, a adaptação também tem sido lenta e turbulenta. Uma vez que a entrada em vigor oficial só acontecerá a 1 de julho, o uso do certificado digital está ainda numa fase inicial e alguns dos seus elementos não estão ainda operacionais. É o caso da aplicação informática desenvolvida para ler os códigos QR dos ditos certificados digitais que, segundo avança a revista Exame Informática, ainda não está completamente finalizada.

O certificado digital já serviu como ferramenta para permitir a entrada ou saída da Área Metropolitana de Lisboa durante o fim de semana passado, em que foram colocadas restrições à mobilidade nesta região do país. Apesar de o documento possuir um código QR, a verificação foi toda feita manualmente.

Esta realidade coloca um obstáculo à segurança dos certificados uma vez que, enquanto a leitura dos códigos QR_não estiver funcional, com algum trabalho informático de manipulação de imagens qualquer pessoa pode falsificar um destes documentos.