Não confundir liberdade e negligência

Permitir uma liberdade consciente, em que deixamos as crianças experimentarem livremente, mas estamos atentos, só as beneficia em todos os aspetos do seu desenvolvimento

Um dia destes estava com os meus filhos na praia quando aparece uma menina de três anos que se aproxima e fica a brincar connosco na água. Estávamos num sítio mais isolado, numa espécie de lagoa entre as rochas, e eu não via ninguém que parecesse estar a tomar conta dela. Ao fim de quase meia hora, aparece uma mãe muito ao fundo que grita à menina que ela não pode sair de ao pé dela sem a avisar. E como aparece, também desaparece… Ao fim de algum tempo decidimos ir embora e tive de convencer de que não podia ficar ali sozinha. Qual o meu espanto quando a vejo a correr praia fora, escadas acima, e a ir ter com a mãe, que quase não se via, sentada numa esplanada no lado oposto da praia.

O caso do pequeno Noah lembrou-me esta experiência que me causou tanta estranheza e alguma inquietação e desde então soube de mais dois casos idênticos. Um ocorreu num parque infantil e a criança só se deu conta da ausência dos pais quando caiu e estes não estavam presentes para a socorrer. Os presentes acabaram por contactar a GNR. O outro foi de um menino que também esteve desaparecido por mais de 24 horas em Itália.

Estes quatro casos fazem-nos pensar.

São claramente todos filhos de pais descontraídos e liberais, habituados a estarem sozinhos e a saberem desenvencilhar-se. O que pode ter várias vantagens, mas, só até ao ponto – que pode às vezes não ser claro – em que a liberdade se torna negligência.

Estejamos ou não a par de todos os factos destas histórias, todas tiveram uma coisa em comum: muita sorte.

Não há dúvida de que as crianças são cada vez mais superprotegidas. Se antigamente andavam de rédea solta, brincavam sozinhas na rua, aventuravam-se pelos campos com os amigos e faziam mais explorações, as de hoje passam demasiado tempo em casa, em atividades extracurriculares ou presas a aparelhos eletrónicos. Os pais têm mais receios e protegem-nas demasiado, sem lhes darem espaço para que arrisquem, para que explorem, experimentem, e assim se tornem mais seguras dos seus passos e decisões. 

Estas quatro crianças mostraram ter mais uma coisa em comum: desenvoltura física e psicológica, independência, desembaraço e segurança. O que nos mostra que as crianças a quem é dada maior independência à partida também se desenvolvem mais. Deixam de ser tão dependentes e começam a tentar fazer as coisas por si, ou porque veem os outros e arriscam fazer igual ou porque não veem ninguém e tentam. E também porque confiam neles.

É importante pensar na mensagem destes acontecimentos: permitir uma liberdade consciente, em que deixamos as crianças experimentarem livremente, mas estamos atentos, só as beneficia em todos os aspetos do seu desenvolvimento. Mas se essa liberdade descamba em negligência e por um azar algo de mau lhes acontece quando estão sozinhas, nem a sua maior desenvoltura e bravura – ainda mais com dois ou três anos – lhes pode valer.