Como D. Manuel mudou o Portugal de quinhentos

Exposição oferece, através de cerca de 130 peças, uma viagem pelo século XVI e mostra como a arte contaminou os ‘26 anos de um reinado que espalhou os símbolos reais pela nação’.

Abriu portas ontem e ficará patente até 26 de setembro, na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), Vi O Reino Renovar – Arte no Tempo de D. Manuel I. Em exibição estarão algumas das mais importantes realizações da arte manuelina, como a Custódia de Belém (da coleção do museu) e a Bíblia dos Jerónimos, da Torre de Tombo. 

O mote é dado por um excerto do poema de Garcia de Resende (1470-1536) de onde é retirado o título da exposição, e que descreve a mudança que D. Manuel I (1495-1521) operou no reino, através da construção de igrejas, conventos e palácios, e também de várias reformas administrativas, «pelas quais introduziu os seus símbolos reais, espalhando-os pelo país, e além-fronteiras, bem como na promoção dos artistas e das artes, convidando-os para a corte».

Durante a visita de imprensa, o diretor do museu, Joaquim Caetano, começou por explicar que «a arte manuelina é um espelho de quem a produziu e patrocinou». «Como não era o herdeiro natural, D. Manuel I teve necessidade de afirmar a sua figura através das obras públicas, das artes e de um novo meio, a imprensa, patrocinando publicações em várias línguas, que enviou para outros países, e em embaixadas ao Papa», disse à Lusa.

Através da reorganização dos documentos e arquivos reais, o monarca convidou artistas a copiá-los com «iluminuras sumptuosas»,tornando-os «preciosidades reveladoras de um dos períodos mais brilhantes da História das Artes do país».
Um desses documentos é precisamente a Bíblia dos Jerónimos, um códice manuscrito em velino encomendado a uma oficina de Florença e terminado em 1495, numa época em que já havia livros impressos. Estarão em exposição dois dos sete volumes.
 
A arte como símbolo de poder 
Nascido em Alcochete, D. Manuel viveu temporadas em Espanha e foi lá que observou uma nova forma de «promover a vitalidade do poder real». Cunhou na arquitetura, nos documentos e nas obras de arte os seus símbolos máximos e tornou-os conhecidos e reconhecidos em Portugal e além-fronteiras.

«O Rei colocou os seus símbolos por todo o lado, até em portões de igrejas e conventos», esclareceu o diretor do MNAA acrescentado que através da sua «sensibilidade própria, percebeu como poderia empreender uma grande campanha de propaganda para se afirmar», aproveitando um período de grande disponibilidade económica devido à expansão territorial (a Custódia de Belém, cunhada com o primeiro ouro obtido como tributo de Quilôa, é testemunho disso).

Com esse objetivo, o monarca reuniu pintores, ourives, escultores e iluminadores, incorporando-os na corte (algo inédito na altura), passando a fazer parte da administração régia, em estruturas vocacionadas para a gestão dos seus projetos artísticos e arquitetónicos, criando vedorias, e ganhando cargos próprios que incluíam «funções de gestão e de diplomacia».
 
As obras expostas 
Além das mencionadas, a exposições reúne outras obras-primas da época, como o Cortejo Triunfal com Girafas, da série de tapeçarias «À maneira de Portugal e da Índia», da manufatura de Tournai (1500-1505); um medalhão com as armas de D. Manuel e D. Maria, da Oficina de Pedro Anes (1517-1521); pinturas religiosas, como Adoração dos Magos (1521), de Gregório Lopes (ativo 1513-1550) e Jorge Leal (ativo 1513-1525) e ainda esculturas de Olivier de Gand e Fernão Muñoz.

A mostra temporária assinala os 500 anos da morte de D. Manuel I e tem como comissários o diretor do MNAA, Joaquim Oliveira Caetano, e os investigadores Rosa Bela Azevedo, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, e Rui Loureiro, da Biblioteca Nacional. As obras, viajaram até ao MNAA provenientes de diferentes instituições e coleções nacionais e encontram-se dispostas em quatro núcleos: ‘Vi o Reino Renovar. Arte no tempo de D. Manuel I nos 500 anos da sua morte’, sobre o gosto do Rei; ‘O poder das artes, entre o deleite, a novidade e a propaganda’, sobre a arte e cultura na corte manuelina; ‘A reforma dos forais e a Leitura Nova: a escrita e a iluminura como instrumentos de poder’, sobre a iluminura e a escrita na reforma administrativa do reino; e ‘A imprensa: o prestígio de uma arte nova e eficaz’, sobre a importância da imprensa no reinado de D. Manuel I.

A situação de rutura que se arrasta há anos
Criado em 1884, o Museu Nacional de Arte Antiga alberga a mais relevante coleção pública do país em pintura, escultura, artes decorativas, portuguesas, europeias e da Expansão, da Idade Média até ao século XIX, incluindo o maior número de obras classificadas como «tesouros nacionais», assim como «a maior coleção de mobiliário português».

O facto de conter estes tesouros não significa, porém, que possua as condições ideais. Há muito que Joaquim Caetano vem alertando para os problemas sérios, que se agravam nos meses de verão. Neste momento a instituição está perto de uma situação de «rutura».

Os maiores problemas dizem respeito à falta de vigilantes. Mas há mais: os sistemas elétricos e de climatização «precisam de ser substituídos, porque estão a deixar de funcionar», e deixam salas «às escuras» diariamente, revelou Joaquim Caetano. Já por várias vezes o museu teve de encerrar inopinadamente por quebras no quadro elétrico, «o problema só fica resolvido no dia seguinte», adiantou o responsável. 

Caetano admitiu que acaba por dar razão aos visitantes, que pagam o bilhete de entrada e não têm acesso a toda a coleção.

A somar a estes problemas, há ainda uma avaria do sistema de climatização, infiltrações no último piso do anexo e um dos elevadores, usado para o acesso de visitantes com deficiência, está avariado há um ano.

O historiador de arte sublinhou que todos estes problemas têm sido reportados à tutela, e foram alvo de um relatório circunstanciado que o museu fez no início do ano.

Em abril deste ano, o Governo aprovou uma lista de 46 museus, monumentos e palácios nacionais, mais três teatros públicos, que serão alvo de requalificação.

O MNAA é um dos que se encontram nesta lista de intervenção prioritária.