Luís Filipe Menezes: “O Chega não é um partido fascista e o dr. Ventura não é o diabo”

Luís Filipe Menezes prepara-se para lançar um livro sobre os líderes do PSD. O ex-presidente do partido admite que Rui Rio pode sair a seguir às autárquicas e defende que o PSD precisa de ‘uma clarificação ideológica’.

 

A direita portuguesa reuniu-se recentemente no congresso do MEL. Faz sentido este tipo de iniciativas para tentar encontrar pontes à direita contra a chamada geringonça?

Não faz nenhum sentido a participação do PSD nessa missa de um projeto falido. Mesmo com a sua brutal queda eleitoral, o PSD é um partido com intenções de voto acima de 20%, continuando a ser a única alternativa ao PS como partido maioritário. Ao colocar-se formalmente num plano de igualdade com partidos que hoje valem menos de 5%, como a Iniciativa Liberal e o CDS, está a minimizar ainda mais a sua atual dimensão. Ao juntar o Chega no mesmo lote está a dar-lhe o estatuto que só beneficia o seu circunstancial crescimento. A segunda razão tem a ver com a auto aceitação de uma qualificação, que a esquerda socialista e comunista passou, inteligentemente, a matraquear em tempo de troika, ao etiquetar o PSD como sendo o ‘líder’ da direita.

Não é o líder da direita?

Muitos dentro do PSD estão confortáveis com esse autorretrato, que é historicamente mentiroso, e nada tem a ver com a realidade de grande frente ideológica e programática que foi sempre a grande força mobilizadora de um eleitorado alargado. Essa qualificação só anatomiza o seu potencial eleitoral.

O encontro reuniu várias figuras de centro-direita e direita, nomeadamente Rui Rio e André Ventura. O Chega continua a aparecer com bons resultados nas sondagens. O crescimento deste partido, numa altura em que o CDS está a perder visibilidade, pode ser um problema para o PSD?

O Chega é um partido nacionalista/populista, como outros que existem por essa Europa fora, alguns até com honras de serem partidos de poder, como acontece em alguns países do Leste da Europa. Não é um partido fascista e o dr. Ventura não é o diabo. O Chega é o Bloco de Esquerda da direita, um partido de causas circunstanciais, como outros que na Europa cresceram na esteira da desilusão do projeto europeu. O Bloco cresceu ao somar os diferentes grupelhos de extrema-esquerda e aproveitou bem o ‘envelhecimento’ comunista e os efeitos devastadores da austeridade. Agora que, por necessidade de apoio parlamentar, o PS lhes permitiu impor praticamente todas as suas bandeiras, é que vai começar o seu calvário.

Em que aspeto?

O seu futuro será ir minguando lentamente ou, em alternativa, mudar radicalmente, abraçando propostas realistas de governação. O que não acredito que aconteça. O Chega cresceu também na onda da desilusão pós troika, em que o PSD e o CDS não souberam mudar de agulha para um discurso inovador virado para o futuro.

E tem capacidade para continuar a crescer?

Vai crescer enquanto o PSD não se conseguir afirmar como alternativa forte, enquanto não pegar em algumas bandeiras do Chega que deviam ser suas e enquanto o credibilizar como o Partido Socialista tem credibilizado o Bloco.

O PSD deve estar aberto a alianças com André Ventura se precisar dele?

Seria um erro capital. Uma coisa é não o diabolizar, isso só lhe dá notoriedade, outra coisa é considerá-lo como parceiro de governabilidade. No dia que o fizer perderá definitivamente o estatuto de grande partido, estatuto que foi o seu quase 50 anos. O PSD tem que ser claro com o eleitorado. Tem de dizer com verdade e coragem que ou quer o PS com esta confusão ou nos quer a nós. Se nos quiser a governar terá que concentrar no PSD os seus votos. Votar em pequenos partidos de protesto pode servir para descarregar a bílis, mas só eternizará a esquerda no poder. Enquanto os eleitores quiserem este status quo devemos saber aguardar com tranquilidade e firmeza democráticas. Sem ceder à sofreguidão de querer chegar ao poder a qualquer preço.

Passos Coelho também esteve no chamado encontro das direitas e voltou a falar-se de um possível regresso à vida política. A sombra de Passos Coelho é prejudicial para esta direção liderada por Rui Rio?

Respeito muito o Pedro Passos Coelho mas acho que não fez bem em ir credibilizar com o seu prestígio aquela salada russa de qualidade maioritariamente medíocre. Pedro Passos Coelho não faz sombra a ninguém. Quando um líder se assume e é mobilizador não há sombra que o cubra e lhe tire visibilidade. Sempre assim foi, sempre assim será. Quando o líder não se afirma qualquer sombra é exacerbada pelo nosso Sebastianismo secular.

Preocupa-o que o PSD não consiga descolar nas sondagens apesar de existiram sinais de desgaste deste Governo?

Infelizmente julgo ser uma fatalidade. O PS está, paradoxalmente, apesar de tanta asneira, confortável. A pandemia anestesiou a democracia e toda a oposição tem facilitado que ela funcione sem vitalidade, em morte induzida, em ventilação assistida. Não está morta, mas não tem poder de reação. O PSD, prisioneiro de um limbo, entre uma pseudo-postura de responsabilidade de Estado e de ausência de ideias inovadoras, é o principal intensivista da UCI [Unidade de Cuidados Intensivos] onde está acamada a democracia.

Estamos a falar de um problema de liderança ou teme que outra liderança não seja capaz de fazer melhor?

Quando uma equipa joga campeonatos seguidos e desce sempre na classificação, quem é o primeiro a cair é o treinador. Mesmo quando se sabe que o próximo, só por si, não resolverá tudo. Nas atuais circunstâncias julgo que as eleições autárquicas serão o último teste à liderança do dr. Rui Rio.

A mudança de treinador, neste caso, poderia ajudar a equipa a vencer mais jogos?

Uma mudança de líder não é a única coisa de que necessita o PSD. O PSD necessita de uma verdadeira refundação. Necessita de mudanças estatutárias profundas, de uma clarificação ideológica inequívoca e de um caderno de encargos de propostas reformistas radicais.

Em que áreas…

No Estado Social, Educação e Saúde, na Justiça e Segurança Interna, em vanguardas de necessidade e urgência, que têm a ver com soluções para os dois principais problemas globais das próximas décadas: os problemas ambientais e os que decorrem da acelerada inovação científica e tecnológica, a quem já muitos apelidam de ‘disrupção’. Trata-se de uma inovação galopante e descontrolada, nomeadamente nas áreas das tecnologias de comunicação e na biotecnologias, que terá efeitos devastadores e imprevisíveis na economia, no emprego, na equidade social… É por isso que fico desesperançado quando, face a esse novo mundo que já está aí (o de milhares de desempregados tecnológicos), vejo o nosso Parlamento a discutir a precariedade do emprego.

Continua a pensar que Rui Rio é um excelente candidato a primeiro-ministro como disse há dois anos?

Não sei em que contexto foi feita essa afirmação, que tem que ser devidamente contextualizada. Não tenho dúvidas que foi afirmada como consequência da forma como sempre apoiei todos os candidatos do PSD a primeiro-ministro. Combati e critiquei vários na fase de ‘aquecimento’, mas fui sempre solidário no momento de combater os nossos adversários. E ninguém tem dúvidas que não me faltariam motivos para romper com essa coerência, mas o caráter não se aliena. Nunca.

É visível que há muita gente no PSD a não acreditar na liderança de Rui Rio. Quando foi líder do PSD também enfrentou problemas internos e acabou por apresentar a demissão. Há alguma comparação entre estes dois períodos da vida do PSD?

Um líder competente não chegar a primeiro-ministro é algo corrente. As eleições normalmente não se ganham, são perdidas por quem detém o poder. É verdade que por vezes um empurrãozinho ajuda. Todavia não fui só eu a sair sem ter ido a eleições. O mesmo aconteceu, entre outros, a Luís Marques Mendes e a Marcelo Rebelo de Sousa. Às vezes basta estar no sítio certo na hora certa e nós não estávamos. Contudo, ao contrário do inferno que me fizeram, Rui Rio tem tido condições para trabalhar e decidir sem grande oposição.

Voltando ao futuro da direita. Julga que faria sentido equacionar uma coligação pré-eleitoral entre o PSD e os partidos à sua direita?

Nesta fase só daria enfoque a uma postura de fraqueza e medo. O PSD decaiu sozinho, é sozinho que tem de se reerguer. Claro que este raciocínio não se aplica a eleições locais onde coligações, nomeadamente com o CDS, são defensáveis.

A esquerda uniu-se pela primeira vez em 2015 para levar António Costa ao poder. Esta coligação, apesar de o Bloco de Esquerda ter votado contra o último Orçamento, tem garantido ao PS a continuidade no Governo. Esta solução política veio afastar durante muitos anos a possibilidade de entendimentos entre o PSD e o PS ou tudo isto pode alterar-se?

Penso que essa evolução dependerá mais do percurso do PS do que do caminho que o PSD terá que percorrer. O PS de Pedro Nuno Santos seria a institucionalização, porventura com repercussões de aventura governativa, da frente de esquerda, com um regresso a ideologias do século passado. O PS de Ana Catarina Mendes e Fernando Medina é outra realidade, aberta ao centro e a alguma modernidade.

O PSD não deve fechar essa porta…

O PSD está numa fase em que toda a sua energia terá que ser virada para a sua reabilitação.

Como viu a atuação do Governo durante a pandemia?

Muitos pensadores já analisaram globalmente o tema. De Hariri a Fareed Zakharia a resposta é idêntica. Dada a descoordenação global, devido à falta de força das instituições supranacionais, os povos foram deixados nas mãos da competência dos seus líderes. Em 90% dos casos a coisa correu mal, nos 10% bem governados correu bem. Correu bem em Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, mas também em democracias ocidentais como a Dinamarca, a Finlândia, o Canadá, a Nova Zelândia. Qual foi a questão que uniu o sucesso destas comunidades tão diversas? Um Estado liderado por um Governo competente. É óbvio que nós estivemos no grupo dos 90%. Neste caso não estivemos sós, mas estivemos, como já é costume, muito mal acompanhados.

Houve momentos em que se exagerou nas restrições impostas aos portugueses?

A competência dos países acima referenciados dá a resposta. Equilibraram momentos de contenção radical, normalmente curtos e localizados, como uma liberalidade sensata que não matou as economias e o bem-estar social.

Isso não aconteceu em Portugal?

Nós funcionamos por pulsões que alternaram estados de euforia imprudente com excessos a reboque das chamas ateadas pela falta de organização e estratégia. Não fomos os únicos. Sempre se soube que a solução era a conjugação sinérgica de testar em massa, de controlar profissionalmente e de forma atempada as cadeias de transmissão e de promover o isolamento efetivo dos infetados. Fizemos tudo isto, mas quase sempre mal e a más horas.

Como viu momentos como a festa do Sporting em que houve um certo desleixo…

Era possível ter feito a festa em total segurança… A responsabilidade foi a da mesma DGS que num ano e meio disse que o vírus não sairia da China, que o uso das máscaras era nocivo, que demorou um mês a fechar as escolas no pico da crise, que deixou os ingleses da final da Liga dos Campeões virem para o Porto sem controle, mas que não permitiu a um único cidadão português assistir à final da Taça de Portugal. Esses e essas responsáveis vão acabar todos e todas como comendadores. É a meritocracia à portuguesa. Um programa populista da manhã televisiva e uma lágrima no olho parte-nos os corações e fica tudo perdoado.

O PSD tem vindo a perder peso nas eleições autárquicas. Tem alguma explicação para esta perda de influência em várias regiões do país?

A lógica, desde 1989, era a do partido líder do poder nacional perder influência autárquica. Com exceções pontuais como quando as autárquicas se seguem a uma vitória recente do vencedor nacional. No entanto, no caso do PSD houve dois ciclos em que o partido esqueceu e abandonou completamente os seus autarcas em detrimento do projeto nacional, em 1989 e 1993 durante o cavaquismo e em 2013 durante a governação concentrada na recuperação económica e financeira. O resultado de 2017 veio na esteira da mesma onda com um PS em estado de graça. Só que o PSD nunca tinha batido tão fundo. A recuperação requeria um engenho que não vejo por aí. Para além de que hoje o recrutamento qualificado para a atividade política é muito mais difícil.

O PSD tem bons candidatos para estas autárquicas, ou seja, está à espera de um bom resultado?

Claro que tem alguns bons candidatos e muitos deles são presidentes em reeleição. Depois há uma alargadíssima capitulação ao aparelho puro e duro, inexplicável e indiciadora de muito maus resultados. Mas é nas áreas metropolitanas que se vai decidir o futuro da direção política do partido e as perspetivas não são muito animadoras.

António Oliveira desistiu da candidatura à câmara de Gaia. Ficou surpreendido com o desfecho deste processo que acaba por fragilizar o partido…

Não, face ao que se passou em Gaia há oito anos, cuja verdadeira história ainda não foi contada. Houve quem, no PSD, no Porto e em Lisboa, por interesses pessoais evidentes tudo fez para derrotar o seu próprio partido. Face à forma como estas duas legislaturas de oposição se desenrolaram e face ao que se passou nos bastidores da atual candidatura, este era um desfecho anunciado e inevitável.

António Oliveira é bastante crítico em relação ao funcionamento do PSD, nomeadamente devido às divergências com o PSD/Gaia. Isto prejudica o partido?

O que se passou em Gaia traduz a realidade de uma comunidade partidária global onde ninguém manda. Quando o poder está na rua é isto que acontece. Face à balbúrdia permitida é injusto apontar um único culpado.

Outra candidata polémica foi Suzana Garcia. Não quero tanto falar dela, mas da opção do PSD por uma candidata com um perfil mais populista. Houve aqui uma cedência ao crescimento de partidos populistas?

Não tenho nada contra a senhora e não vou comentar a sua escolha. No entanto, brincando, obviamente, cheguei a afirmar a dirigentes do partido que essa candidatura era o único desafio político que me entusiasmaria. Para fazer tudo ao contrário! Adoro a Cova da Moura, festejei lá a minha vitória nas eleições para presidente do PSD. Seria ali a sede de campanha, rebatizava o bairro de imediato, transformando-o na Urbanização Cesária Évora. Fazia da Cova da Moura e da sua reabilitação urbanística um emblema de transformação urbana e económica e social. Um polo de turismo diferente, um cheirinho de tropicalidade na Grande Lisboa. Com restaurantes africanos, mornas para turistas nacionais e estrangeiros. Tudo em paz social com todas as outras comunidades.

Em Lisboa acredita que Carlos Moedas tem hipóteses de vencer a câmara?

Carlos Moedas é um excelente técnico e tem uma grande preparação na frente dos assuntos europeus. Seria de certeza um excelente presidente e a sua vitória daria um novo élan ao PSD. Confesso que tenho simpatia pessoal por Fernando Medina, mas apoio e votaria sem reservas no candidato do meu partido se votasse em Lisboa.

Tem pena que Santana Lopes não seja candidato pelo PSD depois de se ter desfiliado da Aliança?

Tenho muita pena. Apesar do que aconteceu nos últimos anos, o Pedro Santana Lopes é um património humano eterno do PSD. Teria sido útil ao partido em várias frentes. Só não houve habilidade e vontade para com ele conjugar a escolha certa.

O Presidente da República apela muitas vezes à estabilidade. Julga que ele quer evitar eleições antecipadas enquanto a direita estiver fragilizada?

É lógico que o Presidente tenha preocupação com o facto de sufragar uma rutura que resulte numa reprodução do mesmo estado de coisas e agudize e prolongue a crise. Todos os outros Presidentes, quando provocaram eleições antecipadas o povo ‘deu-lhes razão’. No atual contexto tal poderia não acontecer. Daí ser compreensiva a prudência do Presidente.

É desejável que esta legislatura chegue ao fim?

No campo dos princípios é sempre desejável.

O Bloco de Esquerda já se afastou da geringonça. Acredita que o PCP vai continuar a apoiar o Governo?

Não sei. O apoio do passado, quer do Bloco quer do PCP estava condicionado por objetivos precisos. Ajudar a destruir o PSD e a memória da sua governação, satisfazer a clientela do Bloco em áreas bem específicas e salvar o sindicalismo moribundo da Intersindical. Cumpridos esses desígnios não sei que outros interesses pontuais podem mobilizar esses apoios. Por isso, contrariando o que atrás referi, a estabilidade não é um bom fim em si mesmo. Tem que pressupor um projeto coerente e, se possível, de médio e longo prazo. Se for lógica e potencialmente clarificadora, não considero que uma crise política seja o fim do mundo e ainda menos da democracia

Saíram notícias de que o seu nome voltou a ser falado para uma candidatura autárquica. A decisão de não regressar à política ativa é mesmo definitiva?

 Sim, é irrevogável. Ainda há pessoas para quem as palavras não mudam de significado em 24 horas.

A política deixou de o motivar?

Sim porque deixei de confiar na fiabilidade do nosso Estado de Direito. Tornou-se um exercício arriscado, a tocar a loucura, ocupar cargos públicos em Portugal. Mas também porque tenho uma mulher que merece a minha companhia dedicada por muitos anos e um filho com quatro anos que quero ver chegar à idade de ter uma formação e independência e, se possível, de me dar netos. Para isso tenho que tratar bem de mim. Tenho um pai trabalhador com 95 anos, uma boa genética, mas tenho que me cuidar. Por outro lado, isso também satisfaz quem nos últimos oito anos tudo fez para me ostracizar, marginalizar e perseguir. Assim somos muitos mais a ficar descansados e felizes.

Ainda tenciona escrever a sua biografia?

Biografia é uma coisa de velho. Ainda não é o meu tempo para isso e não sei se alguma vez será.

Mas vai lançar em breve um livro sobre os líderes do PSD…

Estou a terminar um livro sobre os líderes do PSD, sobre todos eles, pois fui dos poucos que convivi pessoalmente com todos e, em muitos casos, de forma muito próxima. É um exercício despretensioso de pequenas histórias de desmitificação da auréola supra terrena dos ‘chefes’.