Governar a decadência…

A erosão do Governo salta à vista, como se estivesse em fim de ciclo, empenhado apenas na gestão da decadência, com governantes desacreditados que o primeiro-ministro teimosamente mantém…

O que têm em comum os governos de Boris Johnson e de Angela Merkel? Para além de afinidades conservadoras, verifica-se que usam a mesma bitola para medir o risco de cidadãos ingleses ou alemães viajarem para Portugal, avaliada a matriz de contágio por covid-19 que voltou a condicionar o país.

Em ambos os casos, as respetivas autoridades sanitárias não hesitaram em colocar Portugal, novamente, na ‘lista vermelha’ como destino não aconselhável, comprometendo as expectativas de reanimação turística, vitais para minorar o plano inclinado em que se encontra a nossa frágil economia.

Nesta pandemia, declarada em março de 2020 pela OMS, a reboque do vírus chinês ‘exportado’ sem aviso prévio, Portugal já passou por várias fases, desde a singular convicção inicial de que o problema não nos afetaria, até sermos bons e maus alunos no controlo da doença, e, por fim, alcançarmos o topo do ranking mundial de óbitos e de infetados por milhão de habitantes, em janeiro deste ano. Uma proeza nada invejável!…

Apesar da desastrosa gestão da crise sanitária, entremeada de sortidas contradições, o Governo não mudou, nem sequer o primeiro-ministro sentiu necessidade de substituir a ministra da Saúde, nem esta a diretora-geral de Saúde, não obstante as piruetas de ambas, entre a patética subordinação ideológica e a não menos confrangedora abdicação do saber técnico ao serviço do carrossel político. 

Ao longo da epidemia, que nos atingiu em cheio, o Governo tem sido errático. Desafortunadamente, outros órgãos de soberania não andaram melhor, enquanto as oposições emudeceram, cúmplices na asneira.

Nunca é demais recordar que, ao arrepio da prudência, o Governo autorizou celebrações e festas partidárias, desde o 25 de Abril ao 1.º de Maio e à ‘romaria’ comunista da Quinta da Atalaia, sem cuidar dos seus efeitos potencialmente nefastos. E reincidiu na mesma permissividade com a festa do Sporting ou com a absurda final inglesa de futebol no Porto. 

Mas não esteve sozinho. O presidente da Assembleia da República, caprichou, primeiro, em não se ‘mascarar’ na cerimónia evocativa da Revolução e, elevou agora a fasquia do disparate ao apelar aos portugueses para irem a Sevilha, com o ‘patriótico’ objetivo de apoiar a Seleção de futebol, quando a capital andaluza está, também, no vermelho por causa da covid-19. 

A ligeireza do apelo é imprópria da segunda figura do Estado, mas já nada nele admira. Recorde-se que Ferro Rodrigues tencionava ir a Sevilha ‘à boleia’ do Presidente da República, que, à última hora, desistiu da ideia. 
Embora o projeto tenha abortado, ficou a saber-se que as duas primeiras figuras dos Estado não viam nenhum inconveniente em viajarem juntas, para verem um jogo de futebol. 

Perante este exercício de acrisolado amor à bola, acumulam-se as perplexidades. 

Entretanto, a erosão do Governo salta à vista, como se estivesse em fim de ciclo, empenhado apenas na gestão da decadência, com governantes desacreditados que o primeiro-ministro teimosamente mantém, contando com a paralisia das oposições. E com o engodo da ‘bazuca’ europeia, que é a ‘cenoura’ para engordar o Estado e calar os serventuários que nele se sentam. 

Impressiona o conjunto de restrições e exceções decretadas durante e epidemia. É um retrato baço de medidas avulsas, improvisadas, a roçar, por vezes, a arbitrariedade e de duvidosa conformidade constitucional. 

No meio da barafunda, e do esgotamento do SNS – novamente em aflições – salva-se, ao menos, a ‘task force’ da vacinação, desde que é coordenada por um militar, oriundo da Marinha, mas que ganhou notoriedade em terra… 

O vice-almirante Gouveia e Melo soube pôr a funcionar uma estrutura complexa e sujeita a vários imponderáveis. Merece ser reconhecido, pelo seu espírito de missão, uma raridade. Oxalá não se deslumbre…

Em contrapartida, o Governo teima em não ‘acertar o passo’. Escrever isto é repetitivo, mas já cansa ouvir a ‘lenga-lenga’ da ministra porta-voz do Governo, quando diz que «não existem condições para prosseguir [com] o plano de desconfinamento que estava previsto». 

E as responsabilidades do volte-face da pandemia cabem a quem?… Pelo ‘andar da carruagem’ a culpa cabe aos portugueses, que levam demasiado à letra os (maus) exemplos que vêm de cima….

Nota em rodapé: Marcelo Rebelo de Sousa, ao tempo de comentador, tinha uma especial predileção para opinar sobre o futebol. Voltou a fazê-lo no final do jogo da Seleção com a Bélgica, com a autoridade técnica que se lhe conhece.

Espera-se do Presidente da República que seja, em política, o árbitro acima dos partidos. Não se espera que o Presidente ‘alinhe em campo’ para ser mais um ‘comentador’ entre muitos que enxameiam as televisões com banalidades. Não lhe ficou bem, por muito que pense o contrário…