Lei Matic e fim de objeção de consciência no aborto choca direita

Francisco Rodrigues dos Santos (CDS) e Lídia Pereira (PSD) consideram a lei um «retrocesso civilizacional». Ricardo Baptista Leite (PSD) e Manuel Matias (do Chega) classificam-na como um «atentado aos direitos humanos».

O Parlamento Europeu aprovou na semana passada uma recomendação – não vinculativa – aos Estados-membros que determina o fim do direito à objeção de consciência no aborto e promove o mesmo a direito humano – e que fica conhecida por Lei Matic. Na última edição do Nascer do SOL, Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, e Fausto de Quadros, professor catedrático jubilado da FDUL, teceram duras críticas à iniciativa dos eurodeputados.

A resolução passou com 378 votos a favor e 255 contra e 42 abstenções. Não houve, entre os deputados portugueses, qualquer surpresa: todos votaram de acordo com a maioria dos seus grupos europeus. A favor, votaram dois médicos socialistas, Manuel Pizarro e Sara Cerdas, e a restante esquerda portuguesa: Marisa Matias, José Gusmão, Pedro Marques, João Ferreira, entre outros. Contra votaram os pertencentes ao Partido Popular Europeu: entre os quais Lídia Pereira, Nuno Melo, Paulo Rangel e José Manuel Fernandes. Ninguém se absteve.

Em declarações ao Nascer do SOL, o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, considera que a recomendação se trata de um «preocupante retrocesso civilizacional», «uma ofensa grave aos pressupostos da construção europeia» e uma «afronta às instituições nacionais». Explica ser um ‘retrocesso civilizacional’, porque «atenta grosseiramente contra o direito à vida e contra o direito à objeção de consciência» que, explica, está «consagrado em todos documentos constitucionais como sendo um direito fundamental».

Considera que estão a procurar «impor a recomendação àqueles que dela discordam» e, por isso, mostra-se preocupado com a «tendência totalitária e intolerante» por ela «preconizada». «Atenta-se contra a Vida e proíbe-se a consciência. Este caminho é, no mínimo, perigoso», atira. O líder do CDS-PP salvaguarda ainda que a saúde é «matéria de competência nacional e não da Comissão Europeia» e afirma que este «precedente ofende e subalterniza a nossa soberania em matérias que apenas a nós cabe ou não decidir». Por isso, «deve merecer um repúdio de todas as instâncias nacionais, independentemente das opiniões de cada um», conclui.

Também Ricardo Baptista Leite (médico e vice-presidente do grupo parlamentar do PSD)relembra que «a objeção de consciência é um instrumento ético e deontológico que garante que os médicos possam atuar ou negar-se a atuar utilizando a arte e a ciência para os quais foram formados».

Pega depois no exemplo da eutanásia e explica que «dizer a um médico que é obrigado a terminar medicamente a vida de outro» não lhe oferecendo «direito à objeção» constitui, sim, «uma violação dos direitos humanos». Por estas razões, considera a recomendação «absolutamente infeliz» e espera que seja «inconsequente». Pede ainda «bom senso» ao Conselho da Europa de «modo a ignorar essa componente da recomendação».

Questionado acerca dos dois médicos deputados europeus que votaram a favor da resolução, Baptista Leite afirma só poder acreditar que o tenham feito «votando o relatório como um todo sem se terem apercebido desta componente específica», pois esta «viola tudo aquilo que qualquer estudante de medicina aprende como sendo essencial na arte médica».

‘Precedente grave’, diz eurodeputada Lídia Pereira
Uma das eurodeputadas que também votou contra a lei, Lídia Pereira considera que o relatório «abriu um precedente grave» e, ao Nascer do SOL, destaca «três problemas sérios». 

O primeiro, explica, trata-se da resolução ser um «ataque inaceitável à liberdade de consciência» e uma «posição insustentável do ponto de vista jurídico, ético e político». Para além de «violar» os Tratados Europeus, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE e a nossa Constituição, considera que a imposição de um limite à liberdade de consciência se trata de «um retrocesso civilizacional porque cria um conflito fictício de direitos (entre a consciência e o recurso ao aborto) para justificar uma imposição ideologicamente direcionada». «É uma afirmação meramente política que não é mais que oportunismo», remata. 

O segundo problema: «A equiparação do acesso ao aborto a um direito humano ou fundamental». Segundo a eurodeputada, este relatório tenta dar o salto do entendimento «de que nenhuma mulher deve ser criminalmente perseguida pela prática de um aborto» para o do  «direito ao aborto» – o que, para além de exceder «as competências do Parlamento Europeu», não é «uma posição razoável». 

Por fim, o terceiro problema: o «oportunismo político». A eurodeputada diz concordar com muitos parágrafos do diploma, contudo garante que «estas posições mais radicais foram colocadas com o propósito claro de, no dia seguinte à votação, acusar quem votou contra de estar contra os direitos das mulheres». Condena, por isso, «a jogada de misturar posições pacíficas e consensuais com propostas radicais num mesmo texto, quando só podemos aprovar ou rejeitar». Por fim, demonstra-se indisponível para «compactuar com a ultrapassagem de linhas vermelhas como é a condenação da liberdade de consciência», pois essa, é, sim, «uma liberdade fundamental que integra o acervo essencial dos direitos humanos».

Também em declarações ao Nascer do SOL, Manuel Matias, último dirigente do extinto Partido Cidadania e Democracia Cristã e agora do Chega, considera que esta recomendação do PE é «uma das maiores violações dos Direitos Humanos», pois «obriga um médico que não queira matar a fazê-lo».

Para Matias, a lei «não evita nenhum aborto» mas, pelo contrário, «promove-o e vai contra tudo aquilo que devia ser defendido pelos eurodeputados: o apoio às famílias e à natalidade», considerando que «quem governa devia tomar todas as precauções para não se ter que recorrer ao aborto».

Segundo Matias, é uma recomendação «ideologicamente marxista» e «assintomática do estado dos políticos que controlam a Europa». Explica não achar normal «proteger as andorinhas e ser considerado crime serem partidos os seus ovos» para depois «criar-se um novo ‘direito humano’ que é o direito a matar uma vida humana».

O Nascer do SOL tentou obter comentários do PS, BE, PCP, PAN e PEV, mas em vão, e dos dois médicos socialistas que votaram a favor da Lei Matic, mas nem Manuel Pizarro nem Sara Cerdas responderam antes do fecho desta edição.