Vaticano. Cardeal apanhado em teia de negócios obscuros

Angelo Becciu é o mais alto cargo da Igreja alguma vez acusado de corrupção, após evaporarem centenas de milhões de euros, incluíndo doações, num imóvel num bairro chique de Londres. 

A relação do Papa Francisco com o braço financeiro do Vaticano, conhecido pela falta de transparência e apetite por dinheiro sujo, sempre foi de conflito. Mas o sumo-pontífice subira a parada ao sancionar acusações judiciais por corrupção contra dez pessoas, incluindo o cardeal Angelo Becciu, de 73 anos, que tinha um cargo chave no Secretaria de Estado da Santa Sé, uma espécie de Executivo do Vaticano, que gere as doações à Igreja. Becciu, que declarou “vítima de uma conspiração”, segundo a France Press, tornou-se o clérigo de maior estatuto no Vaticano alguma vez acusado de desvio de fundos e abuso de poder. 

Os escândalos de corrupção no Vaticano são uma história bem antiga. Mas este escândalo em particular começou em 2014, com o investimento num edifício em Chelsea, talvez o mais chique bairro de Londres, em tempos conhecido como “aldeia de palácios”. 17 mil metros quadrados foram transformados em cinquenta apartamentos de luxo, com dinheiro do Vaticano, através de um fundo luxemburguês, propriedade do empresário italiano, Raffaele Mincione, acusado junto do cardeal Becci.

A gestão obscura do empreendimento levou o Vaticano a comprá-lo por inteiro, quatro anos depois. Recorreu-se inclusive dinheiro do óbolo de São Pedro, ou seja, doações diretas de fiéis, destinadas a caridade, não a especulação, lê-se no processo montado por um procurador do Vaticano, segundo a revista jesuita America – antes de Becciu meter dinheiro no edifício de Chelsea, estaria a planear investi-lo com na petrolífera Falcon Oil, do empresário António Mosquito, que conheceu quando era núncio em Angola, segundo o Financial Times.

Para piorar a situação, o preço do imóvel foi grosseiramente sobrevalorizado, indo parar dinheiro aos bolsos de intermediários, e centenas de milhões de euros desapareceram, denunciou a imprensa italiana. 

Entretanto, o caso revelou uma extensa rede de negócios suspeitos, juntando investidores financeiros e dirigentes de uma organização que admitiu ter ativos avaliados em cerca de 4 mil milhões de euros, em 2019 – o número mais concreto alguma vez apresentado pela Igreja. Entretanto, a investigação ao caso que envolve Becciu já se estendeu do Reino Unido, aos Emirados Árabes Unidos, Luxemburgo, Eslovénia e Suíça, anunciou o Vaticano no seu site. 

 

Tarefa de Sísifo Há quatro anos, o papa Francisco, que chegou ao posto de sumo-pontífice com a promessa de limpar as finanças da Igreja, desabafou que reformar o Vaticano era como “lavar a esfinge com uma escova de dentes”. No entanto, o facto de ter sancionado a acusação judicial contra uma figura com o estatuto de Becciu é visto como sinal de que Francisco está a levar essa tarefa a sério.

Um relatório do Moneyval, a instituição do Conselho da Europa que avalia o risco de lavagem de dinheiro, revelado no mês passado, considerava que o Vaticano deu passos muito encorajadores para impedir a lavagem de dinheiro por atores externos – avisando que era preciso medidas adicionais contra os abusos vindos de dentro.