O que é a liberdade?

Lidamos mal com as limitações da liberdade e, ao mesmo tempo, vemos crescer uma ditadura desenraizada da verdade que justifica uma certa conceção da liberdade que nos esmaga.

Se retirarmos à liberdade a sua união com a verdade, não ficará mais do que uma caricatura da contradição do homem contemporâneo. A liberdade tem sempre de estar unida à verdade, porque um ato de liberdade não conforme à verdade não é um ato de liberdade, mas de escravidão.

Não é fácil pensar atos de liberdade unidos à verdade, até porque já ninguém acredita que exista a verdade. É outra contradição, porque a modernidade desenvolveu o método científico que possibilita ao homem chegar a novas formas de conhecimento seguro. Hoje sabemos que a trovoada é um fenómeno natural e não são os deuses que estão chateados com os homens. Desta forma, temos o conhecimento desta verdade fundamental sobre o fenómeno climatérico. Não há como negá-lo!

Por conseguinte, é possível formularmos um conjunto de ideias verdadeiras indiscutíveis, não apoiadas em crenças pessoais, que nos ajudam a conhecer melhor a realidade que nos circunda e, desta forma, a desenvolvermos uma ética conforme às verdades seguras produzidas pela ciência.

Nós, porém, lidamos mal com as limitações da liberdade e, ao mesmo tempo, vemos crescer uma ditadura desenraizada da verdade que justifica uma certa conceção da liberdade que nos esmaga.

Eu dou um exemplo que todos os dias me pergunto quando passo pelas ruas e vejo tantos sem-abrigo a dormirem nas ruas de Lisboa. São centenas de pessoas que estão a viver nas ruas, porque querem ou porque foram para aí empurradas.

Pergunto-me muitas vezes: não deveria haver uma lei que proibisse que alguém vivesse nas ruas?

A resposta não é simples, até porque o direito à habitação é garantido pela Constituição Portuguesa, isto é, cada um de nós tem direito a ter acesso a uma casa e, por isso, se não tivermos capacidade para a ter o Estado deve providenciar.

Sabemos, no entanto, que ninguém pode ser privado da sua liberdade contra a sua vontade, a não ser que constitua perigo para a sua vida ou para a vida dos demais. Quer isto dizer que um sem-abrigo não pode ser obrigado a sair da rua contra a sua vontade, desde que esteja livremente a viver na rua e não constitua perigo para a sua vida e para a vida de outros.

Como podemos, nós, pensar que alguém que viva na rua o faça como ato livre? Conseguimos pensar que alguém de sua livre vontade decida ir viver para a rua, renunciando a viver numa casa?

Percebo que se respeite a liberdade de cada um, mas corremos o risco de faltar ao amor para com as pessoas, deixando-as a viver nas ruas… pensando prestar culto à liberdade. Nenhuma sociedade deveria admitir deixar que uma pessoa viva nas ruas.

Não negando que haja alguém que com a plena faculdade da sua vontade queira viver na rua, penso que a nunca poderemos negar a verdade que está por detrás desta pseudoliberdade: aqueles que desejam, de sua livre vontade, viver na rua, estão profundamente doentes e deveriam ser submetidos a um tratamento da sua própria vontade.

Quem livremente dorme nas ruas, só pode ter algum problema económico – e, portanto, não está livremente na rua, e isso tem de ser visto pela sociedade – ou precisa de um apoio psiquiátrico e a sociedade terá de dar o apoio que precisam.

O que é difícil acreditar é que a mesma sociedade que quer respeitar a liberdade daqueles que decidem viver nas ruas, queira agora limitar a liberdade daqueles que querem sair à rua.

Eu não tenho problemas com os confinamentos. Eu até gosto dos confinamentos. Gosto de estar em casa, de ler e de escrever. Gosto de estudar. Faço todos os meus trabalhos nesses tempos. Penso, no entanto, que é necessário que se reveja a noção de liberdade que está na base da formulação das leis vigentes.

Gosto destes confinamentos, mas precisamos de aprender a viver com este coronavírus sem terem de nos retirar a liberdade de circulação.