Fiscalidade ‘trama’ compra de carros

A fiscalidade no setor automóvel ‘é tão elevada que condiciona a evolução’. A garantia é dada ao Nascer do SOL pelo presidente da ARAN que fala ainda nos problemas da pandemia e nas perspetivas futuras.

De forma mais ou menos intensa, todos os setores foram afetados pela crise gerada pela pandemia de covid-19. O setor automóvel não foi exceção. Quem o garante é o presidente da Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN). «No setor automóvel já se começa a sentir uma ligeira recuperação, mas não podemos dizer que tenham terminado os efeitos da pandemia. O ano de 2020 foi muito negativo, tanto que não se pode comparar 2021 ao período homólogo», diz Rodrigo Ferreira da Silva ao Nascer do SOL.

A verdade, defende o responsável, é que o setor automóvel já tinha iniciado 2020 «de forma negativa com quebras em relação a 2019». E a pandemia só veio piorar: «Acentuou a tendência de decréscimo e criou uma situação bem pior do que a que aconteceu na crise anterior, a da troika», garante o presidente da associação, que fala ainda em retrospetiva: «O setor automóvel entrou nesta crise com problemas estruturais, como um sistema de distribuição muito tradicional, a falta de capital, margens baixas, resultados negativos e um endividamento elevado. Até agosto de 2020, o setor registou uma redução superior a 41%, com menos 10 mil carros novos por mês. Metade dos negócios dos automóveis novos desapareceu até agosto».

E se a crise veio afetar um setor que já tinha começado o ano tremido, as perspetivas para já não são as melhores até porque se espera que a crise dure mais alguns anos. «Está anémico o crescimento do setor e dever ser encarado com preocupação, pois a recuperação será lenta e com muitas incertezas». Por isso, para já, o lema que se impões é «repensar o futuro», diz Rodrigo Ferreira da Silva, lembrando a conferência realizada esta sexta-feira em torno deste tema. «O setor está em profunda transformação. Há desafios muito relevantes impulsionados pela pandemia, nomeadamente dois fenómenos impossíveis de contornar, nomeadamente a digitalização e a aposta em veículos mais amigos do ambiente».

 

Excesso de carga fiscal

O excesso de carga fiscal no setor automóvel é um assunto que não é novo e tem sido debatido pelos responsáveis do setor. O presidente da ARAN não tem dúvidas que «a fiscalidade é tão elevada que tem condicionado a evolução do setor e certamente comprometer o futuro do setor». Na sua opinião, «o peso fiscal sobre o setor é excessivo e desincentiva os compradores, criando um parque mais envelhecido».

Para o responsável, a fiscalidade deveria ser atenuada porque «está a ser cobrada a compra e utilização do automóvel». E explica: «Um país como Portugal, que quer ter muitas empresas como a Autoeuropa e que produz componentes e tem uma forte indústria, deveria moderar a fiscalidade e aproximar-se da estratégia de países com indústria automóvel e que são “amigos” em termos fiscais. Acentuado por uma fiscalidade antiquada, que ainda avalia a componente cilindrada em detrimento do custo do automóvel».

Para já é «fundamental e urgente» que o Governo apoie a recuperação do setor automóvel. Por isso, a ARAN sugeriu um pacote de cinco medidas que apresentou em 2020 ao Governo e que considera «fortemente vantajosas para potenciar a retoma económica do setor, atenuando os efeitos da crise nas empresas e potenciando a sua competitividade, através de um estímulo à recuperação gradual».

Uma delas é a redução do Imposto sobre Veículos, «que permitiria aumentar as vendas de automóveis e a tesouraria das empresas, apoiar a renovação do parque automóvel e atenuar o impacto da quebra da receita fiscal (ISV e IVA)», diz Rodrigo Ferreira da Silva.

Mas não só. A ARAN defende ainda a criação de um registo profissional de revendedores de veículos automóveis que «teria forte impacto na tesouraria das empresas, pois seria importante no combate à evasão fiscal e potenciaria a criação de uma base estatística fidedigna referente ao comércio de automóveis usados». E também as deduções à coleta do IVA referentes a despesas de manutenção e reparação automóvel. Segue-se a exclusão, em sede de tributação autónoma, dos encargos suportados pelas empresas com manutenção e reparação de automóveis. Destaque ainda para os incentivos à renovação do parque automóvel.

 

Faltam medidas?

Questionado sobre se faltam medidas de estímulo para o setor, o presidente da ARAN é claro: «Sem dúvida». A justificação é simples: «Com medidas de estímulo seria possível relançar este setor estratégico para a economia, que representa cerca de 20% das receitas fiscais do Estado, 19% do PIB português, 25% das exportações de bens transacionáveis e que emprega cerca de 200 mil pessoas».

Rodrigo Ferreira da Silva saúda o primeiro layoff simplificado mas o processo «foi complicado por todas as medidas posteriores». Ou seja, «ficou a faltar o reforço das medidas de financiamento à economia, através de linhas de crédito, que teriam sido relevantes para o reforço das tesourarias e a promoção de soluções que facilitassem o acesso ao financiamento bancário».

 

O futuro

Não é novidade que o o setor automóvel está em transformação e até a DECO já veio garantir que compensa comprar carros elétricos. Mas será este o futuro? «O setor está em transformação e a pandemia evidenciou a oportunidade de afirmação e desenvolvimento dos transportes eficientes, mais amigos do ambiente dado que têm emissões de dióxido de carbono próximas de zero», defende o presidente da ARAN que não tem dúvidas que «o uso de veículo automóvel mais sustentável será, provavelmente, a prioridade nos próximos tempos». Aliás, a aposta em veículos elétricos é uma tendência para o futuro. «Estima-se que, dentro de cinco anos, 30% do parque de carros vendidos seja elétrico e Portugal está numa ótima posição a nível de utilização de carros elétricos na Europa, mas para que isso aconteça será urgente investir numa política nacional pensada e estudada, alinhada com o crescimento da quota dos carros elétricos. Assim como será necessário que as empresas estejam preparadas para terem capacidade de investir no futuro», diz. E acusa: «Importa salientar que falta investimento em infraestruturas para que o parque elétrico possa crescer. A infraestrutura não deverá andar a reboque da procura. Pelo contrário, deve incentivar e permitir o seu crescimento».

 

Os preços dos combustíveis

O valor do gasóleo e da gasolina tem registado máximos. A culpa é da carga fiscal portuguesa que assume mais de 60% do preço final. Os portugueses poderão deixar de comprar carro devido ao preço dos combustíveis? O responsável diz que este fator não afeta diretamente a compra de carro mas «condiciona o orçamento do consumidor e compromete a sua capacidade de investimento».

 E critica também a elevada carga fiscal que, no seu entender, «parece exagerada se considerarmos que os preços antes de impostos são muito similares entre Portugal e Espanha».