Engarregado de proteção de dados da CML exonerado diz-se vítima de “contexto político pré-eleitoral”

Luís Feliciano quebra o silêncio após um mês. Considera-se injustiçado e as instâncias civis de dados apoiam-no.

Luís Feliciano, encarregado de proteção de dados (EPD) da Câmara de Lisboa (CML) – exonerado na sequência do escândalo dos dados enviados à embaixada e ao Governo russos –, quebrou finalmente o silêncio para dizer que foi demitido devido ao “contexto político e pré-eleitoral” e admitiu que recusou pedir a demissão.

Numa nota enviada ao jornal i enquanto “funcionário público que pugna pela transparência da sua atuação” e com vista a manter o seu “bom nome e reputação”, Feliciano explica ter assumido o desafio “ciente da realidade muito diversificada e complexa da CML”, tendo “desde a primeira hora” sinalizado aos decisores que o seu cargo de EPD o inibia de poder “tomar decisões quanto aos tratamentos de dados”. Logo em 2018, afirma ter-se contratado uma “empresa externa” para levar a cabo a “Fase de Diagnóstico”. Contudo, explica, esta não sinalizou “o tratamento de dados sobre as comunicações de realização de manifestações”, o que levou ao seu “desconhecimento” e consequente impossibilidade de “controlo” sobre o assunto. Apenas a 22 de março, “na sequência de reclamação feita em 18 de março pelos titulares dos dados”, ficou a par do assunto. Aí, enquanto EPD, procedeu às “devidas averiguações” e, em 18 de abril, remeteu ao Gabinete de Apoio ao Presidente da CML um parecer que, “além de dar razão aos titulares dos dados”, aconselhou a que se alterassem os procedimentos de forma a adequá-los ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD). Uma atuação que até valeu, explica, o agradecimento público de Medina “na primeira intervenção pública que fez sobre este assunto no dia 10 de junho”.

Feliciano explica ainda que, para além dos “elogios públicos”, recebeu também “muitas outras considerações positivas” aquando da divulgação da experiência da CML em conferências, algo que ficara carimbado através prorrogação do mandato da equipa.

Por estas razões, Feliciano “crê ser evidente” não se justificar a sua destituição como EPD, invocando ainda – algo que até agora era feito pelas Associações de Dados – a “norma [do RGPD] que proíbe a destituição do EPD por exercer pontualmente as suas funções”. Feliciano atribui, então, as razões do sucedido a questões políticas: “Só se compreenderá esta destituição em face do atual contexto político e pré-eleitoral”. E está confiante de que as averiguações em curso da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e da auditoria externa da CML o ilibarão. Por fim, Feliciano admite ter-lhe sido pedido que apresentasse a sua demissão, algo que rejeitou, explica, pela “perceção de que os milhares de EPDs ficariam preocupados com este desfecho nunca visto”, pelo “respeito por todos os trabalhadores envolvidos na proteção de dados” e pela “consciência do trabalho desenvolvido”.

Feliciano, que trabalhava na CML há 30 anos, estava em silêncio desde o início do caso e, ao i, disse que só falaria após a pronunciação da CNPD. Ora, esta, a 1 de Julho, comunicou finalmente que, após averiguação, entendeu que a autarquia lisboeta havia violado o RGPD. Um dia depois, a proposta de exoneração de Feliciano – apresentada por Fernando Medina – foi aprovada com os votos a favor do PS e a abstenção do PCP, imputando assim oficialmente a culpa do sucedido à equipa coordenada por Feliciano, cujo mandato, recorde-se, tinha sido prorrogado cerca de um mês antes. Feliciano foi, então, a 2 de Julho, afastado do cargo de EPD da Câmara de Lisboa.

Em sua defesa saiu, na altura, o Bloco de Esquerda, que disse ficar “a sensação de que o Partido Socialista quer exonerar a única pessoa que fez algo para que este caso não viesse a acontecer”. Logo no dia seguinte, a Associação dos Profissionais de Proteção e Segurança de Dados também considerou a exoneração “ilegal” e “desastrosa”, pedindo a readmissão de Feliciano como EPD da autarquia e a atribuição de uma multa à Câmara pela CNPD. Por fim, a própria CNPD, através de Filipa Calvão – sua Presidente –, considerou que a “responsabilidade do tratamento só podia ser imputada ao Município” e nunca a Luís Feliciano. Todavia, nem o facto de todas as instâncias civis terem saído em defesa de Luís Feliciano foi suficiente para que este escapasse à exoneração.

Ontem, a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou ainda que o Ministério Público instaurou um inquérito para investigar a divulgação dos dados dos manifestantes às entidades russas pela CML. Nota ainda a PGR que a auditoria interna realizada pela CML “foi junta ao mesmo”.