Novos patamares para aliviar medidas

Pico da 4.ª vaga chega primeiro em Lisboa e só deverá ser atingido a nível nacional na semana da reunião do Infarmed, onde se discutirão novas medidas. Especialistas preparam atualização das linhas vermelhas, em função de menor letalidade e evolução da vacinação.  

O pico da 4.ª vaga está agora a ser previsto pelos especialistas que dão apoio técnico ao Governo para o final do mês, precisamente entre os dias em  que vai realizar-se a reunião do Infarmed onde vão ser discutidas novas medidas e uma revisão das linhas vermelhas a adotar daqui para a frente. Portugal deverá chegar a uma média diária a 7 dias perto dos 4 mil casos de covid-19 – situa-se atualmente nos 3 mil, podendo ainda superar-se os 240 doentes internados em UCI em agosto, agora com maior pressão prevista para o Norte e Algarve.

Esta sexta-feira, a ministra da Saúde Marta Temido confirmou publicamente que é possível que em Lisboa já tenha sido atingido o pico de infeções. São as projeções que estão a ser feitas pelos especialistas, embora não haja ainda sinais de que o pico em Lisboa tenha sido atingido em toda a região. A convicção é que possa ser atingido nos próximos dias, mas mais do que uma tendência de descida de casos como se viu em janeiro com o confinamento, as projeções apontam que as atuais medidas, combinadas com o fim das aulas, com o aumento das temperaturas e o avanço da vacinação levem a uma situação em que a epidemia estabiliza num ‘planalto’ na região de Lisboa em torno dos 1300 casos, como aconteceu na 2.ª onda em novembro, quando se mantiveram restrições parciais à circulação até ao Natal.

A tendência de crescimento da epidemia mantém-se por agora com ainda bastante força na região Norte (tem o maior RT a nível nacional, mais baixo, mas ainda de 1,24) e no Sul. Os peritos preveem que o Norte, onde os casos dispararam depois dos festejos do S. João, supere mesmo o número de novos contágios diários atingido em Lisboa. No Algarve, vive-se o maior risco de contágio – Albufeira é o concelho com maior incidência a nível nacional, com 1291 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias.

Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos especialistas do grupo de trabalho que avalia as linhas vermelhas de monitorização da epidemia, adianta ao Nascer do SOL que a perspetiva é que seja atingido o pico de incidência na última semana do mês, sendo a incógnita perceber se se inicia uma descida de casos e a que velocidade ou uma estabilização, o que parece ser para já a tendência em Lisboa, mais forte na capital, em Almada e Amadora. Tal como os casos começaram a aumentar do centro para a periferia, a desaceleração começou mais cedo nos primeiros concelhos a iniciar a subida e por exemplo em Sintra continua a verificar-se um aumento da incidência.

Certo é que é pouco provável que, iniciando-se uma descida, os concelhos atualmente em risco elevado e muito elevado reduzam a incidência dos atuais patamares – em 30 concelhos, incluindo os maiores superiores, a 500 casos por 100 mil habitantes – para menos de 120 casos por 100 mil habitantes até ao final do mês ou mesmo durante as primeiras semanas de agosto. Depois de o Governo ter admitido melhorar a matriz de risco usada para as avaliações semanais, os especialistas que dão parecer técnico na reunião do Infarmed estão a estudar novas formas de a adaptar tendo em conta que atualmente, com a vacinação, o número de casos tem-se traduzido progressivamente num rácio menor de internamentos e óbitos do que nas outras vagas.

A proposta em discussão, sabe o Nascer do SOL, passa por uma atualização dos patamares de risco a nível concelhio, que de resto já foram superiores no ano passado – recorde-se que os concelhos eram considerados em risco muito elevado quando tinham entre 480 e 960 casos de covid-19 por 100 mil habitantes a 14 dias e em risco extremamente elevado com mais de 960 casos por 100 mil habitantes. Atualmente, entram em situação de alerta quando passam a barreira dos 120 casos por 100 mil habitantes, em risco elevado quando estão duas semanas acima deste patamar e em risco muito elevado quando estão duas semanas acima de 240 casos por 100 mil habitantes.

Para Carlos Antunes, faz sentido ajustar os patamares em função da menor letalidade e internamentos, defendendo no entanto que se mantenha uma monitorização contínua. O investigador revela que a análise por faixa etária desde que passou a haver cobertura vacinal  mostra uma redução substancial da letalidade da doença nos maiores de 80 anos: baixou de 16,6% no início da pandemia – em cada 100 infetados, 16 faleciam – para 1,43% desde 15 de fevereiro. Já na faixa etária dos 70-79 anos reduziu três vezes  – esperando-se progressivamente uma maior segurança à medida que a vacinação avança, o que não é automático. Ainda assim, para haver uma barreira ao crescimento exponencial de casos na população, a estimativa é agora que seja preciso ter 85% da população com a vacinação completa, o que só está previsto para outubro. E desde o início de junho, quando se tornou dominante a variante delta, já associada a maior risco de hospitalização, a letalidade já voltou a aumentar ligeiramente nos dois grupos etários mais velhos, alerta Antunes. Há outros limites a ter em conta, considera o investigador:  existe ainda uma percentagem elevada da população suscetível a contrair o vírus e levar a um recrudescimento da epidemia caso ocorra um levantamento abrupto das restrições. Atualmente 42% dos portugueses têm as duas doses da vacina, mas a vacina confere uma proteção da infeção em 85% dos vacinados, o que significa que se pode estimar uma proteção de cerca de 35,7% – em Israel, estima-se uma proteção de 64%, o que reduz ainda mais o grupo protegido.

Assumindo que 20% da população já possa ter tido contacto com o vírus e adquiriu anticorpos – foram diagnosticados laboratorialmente perto de um milhão de casos – chega-se a metade da população que não é suscetível, deixando ainda uma bolsa considerável – sobretudo adultos jovens – em que a infeção ainda pode propagar. «Neste momento, ainda não podemos dizer que a doença é endémica, mantém-se o potencial de crescimento exponencial», diz Carlos Antunes, explicando que como a variante delta é cerca de 140% mais transmissível do que a original, que em Portugal teve um R0 estimado em 2,4 – sem medidas, cada infetado contagiaria em média 2,4 pessoas – atualmente, sem medidas, o índice de transmissão ainda poderia ainda atingir os 3,5. Quando 60% da população tiver a vacinação completa, poderá ainda ser de 2,5 (sem medidas) e com 70% da população vacinada de 2. «Mesmo com menor letalidade e pressão dos internamentos, será necessário perceber quais são os limites a que estamos dispostos a ir, quer pela capacidade de recursos para rastreio de contactos de infetados, que não é ilimitada, quer para testagem, quer em termos de long covid (sintomas e sequelas que duram vários meses) e acompanhamento desses casos», diz Carlos Antunes. Estima-se que em 2% dos infetados, os sintomas durem mais de 12 semanas, o que a vacina também pode atenuar.

 

Ordem propõe ‘termómetro’ em tempo real

Há agora outros contributos em cima da mesa para a reunião do Infarmed, agendada para desta terça-feira a oito. A Ordem dos Médicos apresentou esta semana a proposta de um novo indicador de avaliação da situação epidemiológica que substituiria a atual matriz de risco de avaliação semanal a nível nacional/concelhos com base na incidência e RT por um índice que agrega cinco variáveis – as atuais, mas também a letalidade, por comparação com as taxas que se verificaram no pico da epidemia, e a saturação de enfermarias e cuidados intensivos.

Atribui uma pontuação de 1 a mais de 100 – a linha que definem como crítica – definindo medidas gerais e específicas a aplicar nestes diferentes patamares.

Henrique Oliveira, matemático do Instituto Superior Técnico, que colaborou no desenvolvimento do indicador, adianta ao Nascer do Sol que o indicador já baixou de 93,7 para 90, fruto da desaceleração da epidemia em todo o país. Na apresentação, o especialista já tinha apontado o pico de diagnósticos/notificações a nível nacional para a última semana de julho, estimando que em Lisboa, onde o pico de contágios já passou, ocorra nos próximos dias.

Sem vacinas, o país estaria com 9 mil casos diários e 60 a 80 mortes, uma situação que no índice da Ordem colocaria o índice já acima de 120, o patamar em que o confinamento seria inevitável. Defendem que a vacinação e 99,9% da estratégia e permitirá gradualmente um afastamento progressivo da linha crítica.

Para Henrique Oliveira, subir os patamares da atual matriz não revolve o problema de esta dar uma imagem atrasada da epidemia: reflete a situação nos últimos 14 dias, quando no indicador apresentado utilizam, para avaliar a expansão do vírus, a média diária de casos a sete dias e o RT calculado diariamente – o INSA utiliza uma metodologia de cálculo com um desfasamento de uma semana e média a cinco dias. Para os autores do novo ‘termómetro’, que vai passar a ser publicado diariamente, isso tem prejudicado decisões em tempo adequado, correndo-se atrás do vírus.

Em termos de letalidade, o indicador refletiria a saturação do SNS, podendo ser aplicado a nível nacional, regional e concelhio. Após a apresentação pública, como o i noticiou, a Presidência da República pediu mais informações. O Nascer do SOL sabe também que a metodologia já foi apresentada numa espécie de ‘reuniões do Infarmed’ organizadas periodicamente no Ministério da Defesa Nacional com as estruturas militares, incluindo o vice-almirante Gouveia e Melo.

Segundo esta proposta, enquanto o país se mantiver acima de um índice de 40 será necessário manter medidas de controlo da transmissão e uso de máscara sempre. Abaixo desse patamar, passariam a ser só usadas em espaço fechados e mais congestionados. O reforço da sequenciação genética e recolha em tempo real de informação sobre o estado vacinal de doentes internados, reinfecções e variantes associadas – dados que não são públicos – são outros reptos. O gabinete de crise da Ordem propõe ainda que, em vez de uma avaliação semanal no conselho de ministros, seja criado um gabinete de monitorização que funcione em permanência.

Por agora, nada muda até à reunião de dia 27, garantiu a ministra do Estado e da Presidência Mariana Vieira da Silva, altura em que Governo, Presidente da República, partidos vão poder ouvir a análise e recomendações dos peritos. O Governo tomará decisões no Conselho de Ministros de 29 de julho, a tempo de introduzir alterações no mês de agosto. Em cima da mesa, além de um modelo de avaliação para os próximos meses, em que os desafios do outono/inverno com o risco de novas variantes são ainda uma incógnita, está a definição das medidas a tomar e um novo calendário de desconfinamento, o terceiro desde o início da pandemia e que desta vez deverá prever mais uma vez o regresso do público aos estádios (adiado) e a aberturas e bares e discotecas, o setor fechado há mais tempo e que aguarda data para abrir. Se em agosto ou depois, continua em aberto.