Um Rio de desperdício…

Com Rio à frente do PSD e a bancada ‘domesticada’ no hemiciclo, o que restar do PSD estará condenado a um prolongado jejum do poder, deixando o PR e o país de ‘mãos atadas’, sem alternativa

Nunca um líder da oposição teve tantas oportunidades, ‘de mão beijada’, para se afirmar nessa qualidade, e nunca se viu tanto desperdício perante asneiras ‘dadas de bandeja’.

Rui Rio só por alcunha ‘lidera’ a oposição. Ele representa, para desgraça do PSD e do país, um equívoco que deixa o governo e António Costa em roda livre.

Com a agravante, à direita, de um CDS a esboroar-se, da Iniciativa Liberal contraditória, e de um Chega mal-amanhado; mas, à esquerda, não está melhor, com o PCP e o BE paralisados pelas mordomias que a órbita do poder assegura às respetivas clientelas.

Sem oposição, o PS e o governo atuam como querem, apoderam-se de tudo ‘o que mexe’, neutralizando à nascença o que lhes faça sombra. A mexicanização do regime, como teme Poiares Maduro, não é uma figura de estilo. E não está sozinho nesse receio.

Rio vive ‘confinado’ ao seu ‘casulo’ no Porto depois de, em junho do ano passado, ter-lhe ocorrido a bizarria de propor o fim dos debates parlamentares quinzenais com o primeiro-ministro.

Ninguém percebeu o gesto, que Rio justificou com a patetice de que «o primeiro-ministro não pode passar a vida em debates quinzenais. Tem é de trabalhar». Ridículo e canhestro, como menorização do Parlamento.

Claro que o PS e António Costa esfregaram as mãos de contentes perante tão providencial ajuda, vinda de onde menos seria de esperar.

Mas ao cair-lhes no regaço a proposta de Rio, chamaram-lhe ‘um figo’ e aprovaram-na sem demora.

Se houvesse uma opinião pública madura, esta ‘façanha’ do suposto líder da oposição, à revelia de um módico de bom senso, tê-lo-ia condenado de imediato. Infelizmente, sobrevive à frente do PSD, como se fosse um ‘infiltrado’, com contrato de avença com o Governo.

Ou seja, enquanto Marcelo Rebelo de Sousa se distrai nos seus ‘comentários’, quase diários, com o lúdico propósito de «tentar furar balões», Rui Rio refugia-se a norte e dá-se por feliz em proteger o primeiro-ministro, reduzindo ao mínimo a sua exposição parlamentar.

Este absurdo, numa democracia adulta, teria assinalado o fim da carreira política de Rio. Por cá, foi mais um frete incluído no catálogo das ‘boas maneiras’, alegadamente, para preservar a estabilidade, uma ficção que nos arrasta para a ‘liga dos últimos’ na União Europeia.

Após a surpresa inicial, as indignações depressa baixaram de tom, como é costume, enquanto o espaço mediático foi invadido por outras histórias plantadas.

Importa pouco saber se Rio ‘desertou’ da oposição apenas por comodismo, ou se obedeceu a uma original estratégia de servir de ‘muleta’ ao PS.

Há sinais que suportam ambas as teses, desde a insólita deslocação a S. Bento, em abril de 2018, mal empossado na liderança do PSD, para firmar acordos, não escritos, com António Costa sobre descentralização e o futuro quadro comunitário de apoio. Simples bagatelas…

É justo recordar que, entretanto, houve tentativas para afastar Rio da liderança, como foi o caso da ‘rebelião’ de Luís Montenegro, mas este subestimou a influência dos caciques que já dominavam o aparelho partidário.

Com Rio à frente do PSD e a bancada ‘domesticada’ no hemiciclo, o que restar do Partido Social Democrata estará condenado a um prolongado jejum do poder, deixando o Presidente da República e o país de ‘mãos atadas’, sem alternativa.

Comparem-se a esta luz, a arrogância de Costa, apesar de minoritário, com a soberba de Sócrates quando dispunha de maioria e procurou assenhorear-se do país. As diferenças serão subtis.

Por este andar, e a menos que apareça alguém capaz de mobilizar o eleitorado à direita, ou no centro esquerda, restituindo o PS à sua matriz moderada, Marcelo Rebelo de Sousa esgotará o mandato sem conseguir libertar-se de ‘pronto-socorro’ de Costa. E, quando se despedir de Belém, deixará o país mais funcionalizado, mais depauperado economicamente, segurando a ‘lanterna vermelha’ na cauda da Europa comunitária.

Para compor o ramalhete, há ainda a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital, uma nova lei que entra em vigor neste fim de semana, com boas hipóteses de ser um ‘pronto-a-vestir’ para esquemas censórios, que se julgavam banidos.

Na realidade, só após promulgada é que esta lei foi avaliada pelos seus riscos e contestada por colocar em causa a liberdade de expressão com o seu famigerado Artigo 6.º, que, para alguns constitucionalistas, como José Carlos Vieira de Andrade, «pertence à família das censuras».

O certo é que este projeto passou incólume no Parlamento, apenas com as abstenções – pasme-se – do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal.

Se houvesse um verdadeiro líder da oposição, empenhado nas liberdades – ou se Marcelo estivesse mais atento em Belém –, o diploma teria ‘chumbado’.

Infelizmente, temos um país anestesiado e Marcelo tem outras prioridades.