E se uma espada de Dâmocles caísse sobre esta coisa pútrida?

É provavelmente um tique, mas quando o primeiro-ministro fala ao país imagino ver nele por vezes um contido sorriso de gozo. E até pareceria natural que assim fosse, quando, no momento breve em que os ‘reis dos frangos’ todos do mesmo aviário promíscuo esvoaçam em passageira agitação, se atreveu a nomear alguém duvidoso para o…

Acima, onde sentado em sua torre,
Eu vi Conquest retratado em seu poder
Havia uma espada afiada acima de sua cabeça
Pendurada ali pelo mais fino e ténue fio.

Chaucer, The Canterbury Tales

 

1. Fenómeno europeu, mas em Portugal naturalmente mais dramático, o que se vê na generalidade dos países é cada vez menos eleitores a votar, democracias que de representativas só têm cada vez mais o nome. Consequência da perda de confiança nos políticos, do abandono a que votam as legítimas expectativas da maioria da população, trocando-as por causas delirantes de elites ativistas ociosas, que universidades rendidas vão reproduzindo e a comunicação social submetida promove.

Só há LGBTI+? E as pessoas ‘comuns’ – perdão, que já nem sei como falar –, a maioria das pessoas? E a saúde, o emprego e o desemprego, o preço da eletricidade e dos combustíveis, a pobreza e a fome, o trabalho, a angústia do futuro, as dívidas ao banco, a corrupção, a segurança dos cidadãos, a justiça, o trânsito e os transportes, a destruição da administração pública, que é hoje (apesar dos computadores) o dobro da administração competente que a Ditadura deixara? E a mediocridade dos sucessivos Governos (a exceção, na vontade e no empenho, foi Pedro passos Coelho), que evitam os melhores e afastam a gente competente, selecionam e atraem os piores para as instituições públicas e para os partidos – que se tornam cada vez mais o seu viveiro, usurpando o que deve pertencer à sociedade, secando a iniciativa dos cidadãos, que é a fonte de criação da riqueza? A vida, enfim? Como alguém disse, é «o horror político». Em Portugal, tudo o indica, parece ser o colapso do regime e do modelo. Como já escrevi, é a democracia num ‘beco sem saída’. 1926, mas em certos registos pior.

 

2. Tive esperança numa regeneração redentora. Depois foi deceção após deceção, facto após facto. Factos a que o emaranhado das leis e procedimentos, aparentemente pensados para o efeito (já se desconfia de tudo), não apagam. Parece cada vez mais que o dinheiro fácil continua a dar-nos cabo do destino. Desde a Índia. E hoje chovem os euros de Bruxelas.

É provavelmente um tique, mas quando o primeiro-ministro fala ao país imagino ver nele por vezes um contido sorriso de gozo. E até pareceria natural que assim fosse, quando, no momento breve em que os ‘reis dos frangos’ todos do mesmo aviário promíscuo esvoaçam em passageira agitação, se atreveu a nomear alguém duvidoso para o novo banco, dito de Fomento, que irá gerir a inutilidade dos milhões da Europa. Viria a recuar, é certo, mas de que espécie será o que se segue – ave ou homem? Seguro, receio, só outro militar.

 Que fazer perante tal Governo, com tal oposição, perante um Estado que foram fazendo cada vez mais hipertrofiado e tentacular, mas esvaziado de uma autoridade que seja aceite pelo respeito moral e o mérito? Que escrever, quando 48% dos que ainda vão às urnas votam isto? Resta-me o pressentimento e a esperança que uma espada de Dâmocles caia sobre o galinheiro e o limpe.

 

3. E se parte dos 50% de portugueses que há muito não votam se manifestarem em revolta nas próximas legislativas? E se votarem, muitos deles, como as sondagens sugerem e os factos políticos prometem, em André Ventura?

Depois, depois, seria a novidade. A novidade de que é sempre fonte a liberdade, condição implicante da procura da verdade. Só acredito na liberdade. Que vamos deixando que nos roubem.

Tão cedo não voltarei a escrever sobre a realidade política do meu país, que me dói.