O ‘estádio’ da nação…

Quando interpelado sobre Vieira, António Costa disse que ‘a melhor forma de demonstrar a confiança na justiça é deixar osjulgamentos serem feitos nos sítios próprios’. É quase o eco do que disse sobre Sócrates.

A opacidade no mundo do futebol é uma realidade antiga. Os negócios que floresceram em redor das transmissões desportivas e das transferências milionárias de jogadores, há muito que estão na base de fortunas instantâneas, envolvendo, além dos futebolistas, intermediários, dirigentes e empresários de várias origens.

De vez em quando, alguém ‘cai em desgraça’ e o ‘estádio da nação’ é sacudido por um vendaval de indignação, como se ninguém suspeitasse de nada. E o ‘coro de virgens’ reaparece, entoando as mesmas ladainhas, numa exibição de virtuosa hipocrisia.

Não há paciência, sobretudo quando neste ‘estádio da nação’ se torna óbvia a promiscuidade entre o futebol e a política, todos cumpliciados para angariar votos e popularidades.

Bastaram escassas semanas para que Luís Filipe Vieira passasse de presidente ‘todo poderoso’ do Benfica – contando com António Costa e Fernando Medina, entre outros, a acotovelarem-se para integrar a sua comissão de honra na recandidatura –, para um quase proscrito, de quem os adeptos se afastam como se tivesse lepra.

Bastaram alguns dias detido nos calabouços das polícias, a pretexto de ser ouvido pelo juiz de instrução, para Vieira ser julgado e ‘condenado’ expeditamente no espaço público, por ser um dos grandes devedores à Banca, como se fosse uma novidade finalmente posta a nu pelo Ministério Público.

A ‘surpresa’ com as atividades de Vieira, ligadas ao futebol ou aos negócios imobiliários, tem fartos pontos de contacto com as ‘revelações’ sobre José Sócrates, Joe Berardo ou Ricardo Salgado, como se antes ninguém suspeitasse de nada.

São ‘arguidos de luxo’ que mereceram do Ministério Público resmas de papel, com um assustador rol de suspeitas e de acusações, que, no caso do ex-primeiro-ministro, deram em quase nada, às mãos de um juiz reconhecido pelo seu formalismo processual, enquanto o ex-banqueiro e ‘dono disto tudo’ nem compareceu no tribunal, que julga uma pequena parcela do muito em que aparece envolvido.

Já Berardo, glorificado pela sua coleção de arte à guarda do CCB e como ‘ponta de lança’ do ‘assalto’ ao BCP, terá resolvido a pesada caução fixada pelo juiz, poupando-se ao regresso ao calabouço.

Dir-se-á: é a Justiça a funcionar, embora se tema que o espetáculo mediático esteja a sobrepor-se às vetustas salas dos tribunais, substituídas pelos estúdios das televisões, como terá acontecido com Magalhães e Silva, o advogado de Vieira com assento no CSMP, acusado pelo sindicato dos magistrados do MP de ter denegrido a atuação do procurador Rosário Teixeira «de forma inaceitável, intolerável e incompatível com as funções que exerce no Conselho Superior».

Nesta como noutras histórias, o que espanta é a facilidade com que muita gente ‘muda de passeio’, quando avista algum dos visados, em contraste com a atitude anterior de visível orgulho em partilharem a mesma mesa ou o camarote do estádio.

Em relação a Vieira, viu-se como apoiantes e membros da sua ‘comissão de honra’ bateram em retirada, como se jamais suspeitassem de qualquer irregularidade do ex-presidente.

Repetiu-se, aliás, com Vieira, o mesmo filme já conhecido com Salgado, Berardo ou Sócrates, como se quem colaborou de perto com eles nunca tivesse estranhado nada.

Pelo caminho derreteram-se milhões, enquanto o país assistiu impotente à implosão de empresas tidas como ‘joias da coroa’, empurrado por uma espécie de ‘fatalismo cósmico’ para o lugar de ‘lanterna vermelha’ na Europa comunitária.

António Costa conhece bem estes protagonistas, mas saberá sempre repetir, como aconteceu quando interpelado sobre Vieira, que «a melhor forma de demonstrar a confiança na justiça é deixar os julgamentos serem feitos nos sítios próprios. E os sítios próprios são os tribunais e não no espaço público». É quase o eco do que disse sobre Sócrates.

Menos hábil, o seu ‘delfim’ Fernando Medina, depressa se aliviou da ‘honra’ de estar ao lado de Vieira, e explicou – com a mesma tocante candura que já usara na cedência de dados de manifestantes russos à embaixada – que o facto de ter feito parte da ilustre comissão fora «a título pessoal, como adepto, num contexto em que muitas destas coisas não eram conhecidas, não havia acusação nenhuma». Santa Inocência.

É uso dizer-se que a Justiça peca por ser lenta e ter um «forte pendor burocrático e garantístico, com impacto direto nos níveis de eficiência e nos tempos de decisão», como reconheceu, liminarmente, o novo presidente do Supremo, Henrique Araújo

Saber esperar nem sempre é uma virtude. Mas é nisso que apostam os especialistas em expedientes dilatórios, que arrastam os processos até acabarem arquivados ou julgados tão tarde que a eficácia se perdeu.

Entretanto, a fervura mediática esbateu-se e o ‘estádio da nação’, fechou para férias…